domingo, 13 de março de 2011

Pequena homenagem a Cartola




Angenor de Oliveira, mais conhecido como Cartola, (Rio de Janeiro, 11 de outubro de 1908 — Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1980) foi um cantor, compositor e violonista brasileiro. Cartola é um dos ícones da música popular brasileira que foi resgatado na ultima sexta pela Tv Globo no programa "Por toda minha vida" (raridade encontrada na programação televisiva), e traz nas suas letras uma musicalidade rara e introspectiva, que remete um pouco aos traços da cultura do povo brasileiro, revestido pelo colorido das culturas e identidades nacionais, como afirmou o antropólogo Darci Ribeiro.

A música "O sol nascerá" de autoria de Cartola e Elton Medeiros, lançado em 1974, é uma excelente oportunidade para conhecer os traços líricos do poeta e do enredo de um carioca que venceu as adversidades pela poética (em grego antigo:Περὶ ποιητικῆς; em latim: poiêtikês), pois dessas artes literárias correm as veias abertas para uma linguagem intimista e critica sobre a realidade, como diria o filósofo Aristotéles.

"A sorrir Eu pretendo levar a vida Pois chorando Eu vi a mocidade Perdida
Fim da tempestade O sol nascerá Finda esta saudade Hei de ter outro alguém para amar
A sorrir Eu pretendo levar a vida Pois chorando Eu vi a mocidade Perdida"
(O sol nascerá - 1974)

segunda-feira, 7 de março de 2011

O olho mitológico do cíclope e o show de bundas na tevê!

















Ao ligar a tevê nestes dias carnavalescos até parece que estamos diante de um "leilão de bundas" ao vivo, cada qual oferecendo sua "fruta" como se mercadoria fosse. Nada mais provocador que o "Dia Internacional da Mulher" (08 de março de 2011) cair na terça-feira de (dia de) carnaval!

Nestes tempos está em evidência a síndrome da "mulher fruta" do "gênero humano" hibrido, seja homem ou mulher metamorfoseado, como diria Stuart Hall pensando as identidades na pós-modernidade, objeto desejado, mas também vilipendiado pelos discursos sobre as conquistas femininas de "mulheres frutas" que vieram da periferia (ou favelas, postas à margem [melhor dizendo, marginalizadas pelos próprios programas televisivos - programas policiais e pelo sensacionalismo de Gugu, Faustão, Luciano Huck entre outros] pela mídia que as "salvou" da miséria) e conquistaram um pseudo-espaço neste reality television.

Até brigas aparecem nas imagens da tevê (tem outra coisa para assistir?), melhor dizer, barracos em horário nobre envolvendo as frutas vítimas do sistema de consumo, tendo como testemunhas os telespectadores (desde famílias e suas crianças até a platéia juvenil sedenta por diversão), vendo nas cenas um entretenimento livre. Até parece que as "frutas" conquistaram sua auto-estima na mídia como detentoras de nádegas voluptuosas (ou outras partes avantajadas) que refletem uma percepção social de que quanto maior a bunda, maior a sensualidade, ou ainda, um pretenso prazer "incomparável" provocado pelas partes.

Frente a banalização dos sentidos carnavalescos conforme já dissemos noutro comentário acerca do riso e da ironia, em louvor do espetáculo "sem brilho" do carnaval made in televisão brasileira (esvaziando os sentidos, resumidos pejorativamete e de maneira apelativa à nudez feminina), lembrei de uma discussão semiótica do pensador mexicano Octávio Paz no seu livro "Conjunções e Disjunções" lançado pela editora Perspectiva em 1979, para constituir uma leitura acerca das metáforas populares na contemporaneidade.

Neste contexto indicado por Octávio Paz em seu livro, há uma realidade escondida nas estórias e nas figuras latinas (hispano-americanos), que nasceu da realidade histórica deste Continente e se espreita nos "corpos selvagens" destes povos, afirma ele: "o que digo deve ser entendido literalmente: estou falando da realidade que está abaixo da cintura e que a roupa encobre. Refiro-me a nossa cara animal, sexual: a bunda e os órgãos genitais. Não exagero nem invento, a metáfora é tão antiga como a dos olhos "espelhos da alma". Há uma gravura de Posada que representa um fenômeno de circo: uma criatura anã vista de costas mas com o rosto voltado para o espectador e que mostra embaixo, no lugar das nádegas, outro rosto". Acrescenta ele, "é uma longa comparação entre bunda e rosto. A superioridade da primeira consiste em ter um olho só, como os cíclopes que descendiam dos deuses da visão" (PAZ, 1979, p.10-11).

Será que neste jogo semiótico e metafórico as "mulheres frutas e as fankeiras" descobriram a virtude da (pré)visão, do olho mitológico do cíclope que se esconde na semana e aparece nas noitadas do fank e nos tempos de carnaval? Acho que por isso, as ninjas do fank e as demais personagens escondem o rosto para revelar a outra cara!

Na mitologia grega da obra Odisséia, inserida por Paz (1997) este lembra da cara dos cíclopes, para afirmar que passamos do mundo humano ao mitológico, pois se a cara é bestial como a bunda, a bestialidade de ambas é divina e demoníaca, logo é o cíclope Polifero (filho de Poseídon e da ninfa Teosa, que combate com Ulisses na estória deste herói rumo a Ítaca), no momento que o cíclope contempla a água e descobre seu rosto:


"Miréme y lucir vi un sol en mi frente
cuando en el cielo un ojo se veía:
neutra el agua dudaba a cual fe preste:
o al cielo humano o al cíclope celeste" (PAZ, 1979, p. 11).

ou, traduzindo:

"Olhei-me e vi um sol luzir em minha frente
quando no céu um olho se via:
neutra a água hesitava em qual dar crédito:
se ao céu humano, se ao cíclope celeste".


Concluo este protesto (amoral ou moralizante) lembrando que o sentido da metafóra do rosto para lembrar a outra cara (bunda) e a "perversão dos corpos" é uma forma interpretativa de ler a realidade quanto a submissão da mulher (suposta mercadoria vendida como fruta, e pior a preço de banana). Se ocorrem transformações "o olho do cú: o do cíclope: o do céu. [...]" (PAZ, p. 11), é porque o enfoque fenomelógico estabeleceu uma leitura (des)moralizante sobre o que ocorre frequentemente com a imagem da mulher - sagrada em todos os seus sentidos - mas transformada em motivo de obsessão sexual e/ou riso com as imagens das "mulheres frutas", por exemplo, mesmo que representem em sua essência os sentidos da vida e a metáfora do prazer.
Como alerta Paz (1979, p. 14), "a cara ri da bunda e assim traça de novo a linha divisória entre o corpo e o espírito".

sábado, 5 de março de 2011

O CARNAVAL BANALIZOU SEUS VALORES OU FRAGMENTOU SEUS SENTIDOS NA NOITE DOS TEMPOS?
























Depois de tanto tempo de celebração profana do “mundo de ponta cabeça” é chegado o momento de rememorar o sentido que acabou se perdendo ao longo do tempo, desta festa tão quente que pegou ainda mais fogo quando chegou ao calor dos trópicos, invertendo os papéis. Afinal, celebrar carnavalis no Brasil tudo pode (festa da carne ou de adeus à carne desde os tempos medievais, daí a Igreja ter convencionado o tempo da quaresma para "purgar os pecados da carne"), inclusive profanando, amoralizando e banalizando, “pois não existe pecado do lado de baixo da linha do Equador!”.

Para pensar sobre as origens históricas da festa carnavalesca extraímos alguns fragmentos interpretativos sob a perspectiva da historiografia cultural (a partir da teoria histórica da terceira geração dos Annales), que na verdade acabou traduzindo aquela festa profana como sendo de dois sentidos ou que tenha uma dualidade na percepção do mundo e da vida humana.

Mikhail Bakhtin em seu livro ‘A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento’ afirmou que “Os festejos de carnaval com todos os atos e ritos cômicos que a ele se ligaram, ocupavam um lugar muito importante na vida do homem medieval. [...] O riso acompanhava também as cerimônias e os ritos da vida cotidiana: assim, os “bufões” e os “bobos” assistiam sempre às funções do cerimonial sério, parodiando os seus atos (proclamação dos nomes dos vencedores dos torneios, cerimônia de entrega do direito de vassalagem, iniciação dos novos cavaleiros, etc.). Nenhuma festa se realizava sem a intervenção dos elementos de uma organização cômica, como por exemplo, a eleição de rainhas e reis “para rir” para o período da festividade. Todos esses ritos e espetáculos apresentavam uma diferença notável, uma diferença de princípio, poderíamos dizer, em relação às formas do culto e às cerimônias oficiais sérias da Igreja ou do Estado Feudal. Ofereciam uma visão do mundo, do homem e das relações humanas totalmente diferentes, deliberadamente não oficial, exterior à Igreja e ao Estado; pareciam ter construído, ao lado do mundo oficial, um segundo mundo e uma segunda vida aos quais homens da Idade Média pertenciam em maior ou menor proporção, e nos quais eles viviam em ocasiões determinadas. Isso criava uma espécie de dualidade do mundo e cremos que, sem levá-las em consideração, não se poderia compreender nem a consciência cultural da Idade Média, nem a civilização renascentista. Ignorar ou subestimar o riso popular na Idade Média deforma também o quadro evolutivo histórico da cultura européia nos séculos seguintes. [...] A dualidade na percepção do mundo e da vida humana já existia no estágio anterior da civilização primitiva. No folclore dos povos primitivos encontrava-se paralelamente aos cultos sérios (por sua organização e seu tom) a existência de cultos cômicos, que convergiam as divindades em objetos de burla e blasfêmia (Riso Ritual); paralelamente aos mitos sérios, mitos cômicos e injuriosos, paralelamente aos heróis, seus sósias paróticos”.

Já para Peter Burke no livro ‘Cultura Popular na Idade Moderna’ acrescenta: “era uma representação do mundo virada de cabeça para baixo. O que é claro é que o carnaval era poliscênico, significando coisas diferentes para diferentes pessoas. Os sentidos cristãos foram sobrepostos ao pagãos, [...]. Os rituais transmitem simultaneamente mensagens sobre comida e sexo, religião e política. A bexiga de um bobo, por exemplo tem significados diversos, por ser uma bexiga associada aos órgãos sexuais, por vir de um porco, o animal do carnaval por excelência e por ter sido trazida por um bobo, cuja ‘fertilidade’ é simbolizado por ser vazia.”

Para Burke o carnaval popular da Idade Moderna na Europa era o momento da “inversão social”, uma festa inteligente em que os pobres poderiam vingar-se dos ricos, fantasiados poderia jogar ovos podres e espancar os nobres, xingar os políticos sem medo das conseqüências, na verdade, depois de um ano todo de subjugação da sociedade verticalizada e impositiva, era naquele momento "festivo e medonho" que as estruturas sociais se invertiam, se metamorfoseavam. Um mundo de ponta cabeça, dual, que acima de tudo revelava um momento ‘sagrado-profano’ para banalizar a vida pública em detrimento dos costumes e interesses privados.

Depois de tanto tempo, vendo os sentidos cômico, satírico e irônico das festas carnavalescas se perderem entre as vielas da contemporaneidade, cujo carnaval agora é bem mais mercadológico (dos blocos e camarotes elitizados) do que a valoração de sentidos históricos perdidos nas noites dos tempos, abrem-se alás para as micaretas e suas transmissões made in Salvador e para as escolas de samba "empresa" do Rio de Janeiro.

Depois de tudo isso, perguntamos ao povo, afinal onde ficou o Carnaval? Até o riso com toda sua carga semiótica dos tempos medievais e modernos não ganha tanto sentido simbólico quando pensando a luz da conjuntura atual. Quando vejo Humberto Eco no seu livro (e depois filme) "O Nome da Rosa" satirizando com seu estilo irônico e mordaz a escolástica feudal a partir do "riso" (é proibido rir no mosteiro, motivo para os assassinatos), percebo o quão feroz tem sido (no sentido de esvaziamento de sentidos) as festas atuais, ou seja, até parece que banalizamos os sentidos carnavalescos (do riso e da ironia, principalmente) em louvor do espetáculo "sem brilho" do carnaval made in televisão brasileira (esvaziando os sentidos, resumidos pejorativamente e de maneira apelativa à nudez feminina).