quinta-feira, 24 de março de 2016

Lava-pés e os refugiados: “Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, assim façais também vós”






Hoje a tarde ao ver pela transmissão da rádio Vaticano a missa da Ceia do Senhor e do lava-pés celebrada pelo Papa Francisco, recordei dois temas que nutrem as preocupações e o imaginário das gerações atuais, bem como as esperanças dos que acendem a chama da fé.

O primeiro tema marca a reflexão que este tempo propõe com toda sua riqueza de simbolismos e espiritualidades, sobretudo aos que nutrem a vivência cristã e ecumênica, tempo favorável do tempo pascal. No segundo tema, o incisivo e forte apelo para construção de uma sociedade plural, sedimentada pelo discurso da tolerância, alteridade e isonomia. Apesar da sombra de uma nova geopolítica global, marcada pela “era do terror” e pelos fundamentalismos e imperialismos, que acentuam as migrações endêmicas pelas vias da violência baseada na desterritorialização e pelas limpezas étnicas e sociais espalhadas pelo mundo.

Hoje o Papa Francisco na encenação do lava-pés da quinta-feira santa trouxe para reflexão estes dois temas de grande revelo para os tempos hodiernos, a partir da memória da participação incisiva e fundamental da mulher no mistério da paixão, morte e ressurreição de Cristo, para elucubrar sua atuação também nos desafios das sociedades atuais e também recuperar o debate em torno da problemática do terrorismo (na última terça–feira o atentado a Bruxelas), as migrações “ilegais” e os refugiados pelo mundo.
Uma das mudanças promovidas pelo Papa Francisco, em nível litúrgico este ano foi à decisão anunciada de modificar o rito do Missal Romano relativo ao lava-pés, estabelecendo que a participação neste ritual litúrgico não seja limitada só aos homens e jovens, mas também estejam presentes as mulheres. Depois sua escolha, pelos doze que participariam do gesto de serviço na celebração da missa do lava-pés hoje em Roma. Sua celebração hoje a tarde foi realizada no Centro de Requerentes de Asilo de “Castelnuovo di Porto”, na periferia de Roma, uma entidade filantrópica mantida pela Igreja, que abriga 892 migrantes. O lava-pés se deu com a participação de onze migrantes e uma colaboradora italiana católica da cooperativa. Foram quatro jovens nigerianos católicos, três mulheres eritréias cristãs coptas, três muçulmanos (um sírio, um paquistanês e um malinês) e um jovem indiano de religião hindu.

Tocado pela cena evangélica e pelo contexto da mensagem atualizada pelo Papa Francisco, sobretudo em tempos de intolerância e indolência generalizadas, a partir desta cena litúrgica é oportuno recuperar duas lições que estão muito presentes para nossas inquietações e vivências diárias. Jesus que deixou o legado da diaconia para os seus discípulos, aludindo ao serviço caridoso e despretensioso: “Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, assim façais também vós” (Jo 13, 15) e o resgate da filosofia da alteridade. Lévinas no seu livro publicado em 1974 (edição de 2006, p. 252-253) intitulado “Outramente que Ser: o argumento” (original: Autrement qu' etre ou au-dela de l' essence), reitera a missão de hoje, sendo ela um remédio contra os males do mundo: “a filosofia chamada a pensar a ambivalência, a pensá-la em muitos tempos, mesmo si chamada ao pensamento da justiça, sincroniza ainda o Dito a dia-cronia do um e do outro e permanece sendo a servidora do dizer que significa a diferença do um e do outro como do um para o outro, como não-indiferença pelo outro – a filosofia: sabedoria do amor ao serviço do amor”. 

Respeito e dignidade humana nascem pela caridade, leia-se, amor ao próximo.

https://www.facebook.com/radiovaticanobrasil/videos/vb.204528906321831/925698280871553/?type=2&theater (Vídeo sobre a celebração com o Papa Francisco da missa da Ceia do Senhor e do lava-pés)