domingo, 26 de setembro de 2010

Multiculturalismo para pensar a Internacionalização dos Direitos Humanos

















Ontem participei de mais uma edição do projeto “Cinema é Educação” na Facisa, desta vez, com a exibição do filme “A flor do deserto”, naquela oportunidade participaram do debate após o filme: uma medica, uma enfermeira, uma socióloga, além da minha contribuição para discutir os direitos humanos numa perspectiva internacional. Neste longa metragem lançado em 2009 que narra a vida da modelo Waris Dirie da Somália, existe a oportunidade de em meio a grande mídia global, do glamour das top models e dos desfiles internacionais recuperar a pratica de barbárie da mutilação genital feminina de meninas, cujo costume já existe acerca de 3 mil anos. Mesmo não sendo uma prescrição do Alcorão em 28 países africanos e algumas nações da Europa, que possuem migrantes advindos no Oriente Médio e África ainda se utiliza esse ritual de “purificação”.

A excisão, procedimento rudimentar para a pratica da mutilação genital feminina está revestida de um conteúdo sociológico e de uma conquista de posição, um indicativo de maturidade que habilita a mulher a participar da pirâmide social que organiza familiarmente o cotidiano de sua tribo ou clã. Por exemplo, na cultura Bantu, o procedimento para mutilação é a excisão que consiste na extirpação da totalidade ou de parte do clitóris e dos lábios menores, um ritual de mutilação da genitália do gênero feminino, em que na execução dos cortes são usados pedaços de vidro, gilete (lamina de barbear) entre outros materiais cortantes onde não há métodos de assepsia ou o emprego de substâncias cicatrizantes. Tal procedimento termina quando os lábios vaginais são costurados, permanecendo um pequeno orifício (do tamanho da cabeça de um fósforo) para passagem da urina e da menstruação. Na noite de núpcias a mulher “pura” será deflorada pelo seu esposo que violará o local antes costurado como forma de manter a mulher sob a submissão do homem. Aquelas que não passam pelo procedimento, são consideradas impuras e excluídas do grupo, tachadas de prostitutas.

Do ponto de vista normativo, entendemos que a pratica da mutilação genital feminina é uma afronta aos valores éticos postos como imprescritíveis, inalienáveis e intransponíveis que se traduzem na valorização da vida, da liberdade, da igualdade, do respeito mutuo entre outros, tais princípios axiológicos que inspiram as codificações e os costumes morais pelo mundo afora devem permear as praticas sociais, econômicas, culturais e políticas em todas as nações, independentemente das crenças, religiões e tradições.

Quando reza a Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU – 1948), em seu artigo 5º que: “ninguém será submetido à tortura ou tratamento desumano ou degradante”, instituiu uma norma em sentido genérico e de base moral, que sirva de inspiração hermenêutica para que cada Estado nação legisle no mesmo sentido, assim foi, por exemplo, quando em 1997, nove anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que já equiparava tortura a crime hediondo, foi promulgada a Lei 9.455/97 tipificando e punibilizando o crime de tortura. A codificação das Organizações das Nações Unidas tem efeito moral, pois ela não pode invadir as tradições culturais, praticas políticas, sociais e econômicas dos Estados nação independentes, neste caso, podem existir recomendações etc., aquilo que se denomina de diplomacia.

Numa situação delicada como a subserviência do gênero feminino em diferentes tradições fundamentalistas a lógica da promoção dos direitos humanos é baseada no multiculturalismo desde que este não deixe de permear-se pela lógica ético-humanitária, preservando a vida acima de tudo, principalmente a integridade física e moral das meninas.

Resultado da mobilização desta pratica de mutilação, a Declaração de Budapeste (1993), denuncia que “A mutilação genital feminina (FGM) afeta mais de 80 milhões de mulheres e meninas no mundo. É praticada por muitos grupos étnicos em mais de trinta países”.
Movimentos de defesa dos direitos da mulher se espalham pelo mundo, um deles Terre des fammes luta para conscientizar grupos tribais e nações para combater tal pratica, na Alemanha, por exemplo, tal crime é tipificado como lesão corporal culposa, mesmo já existindo uma grande mobilização local para se criar uma legislação mais severa.
A ex-modelo Waris Dirie é hoje ativista do movimento de combate a mutilação genital feminina, tendo sido nomeada em 1977 a embaixatriz da ONU para a luta contra essa atrocidade, cujo Dia Internacional contra a Mutilação Feminina é 6 de fevereiro. Waris foi mutilada aos 3 anos de idade na sua terra natal, Somália.

É preciso uma perspectiva dos direitos humanos em sua cosmovisão, que absolva a cidadania multicultural, onde a preservação da vida (patrimonial humano mais sagrado) seja valorizado em qualquer nível cultural.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Encontrei Habermas no supermercado!






















Outro dia, fazendo compras com minha companheira num dos supermercados da cidade, comecei a procurar coisas interessantes para fazer enquanto as pernas, a grana e o carrinho se empanturravam de peso e do consumismo do mês, horas que nos testam no bolso e na paciência, passados alguns instantes, eis que de repente naquele labirinto “eterno” de prateleiras e seções encontro um sujeitinho franzino e alto, vestido em trajes aos moldes germânicos em pleno clima serrano campinense. Até fingi não perceber de início, mas se buscava ricota lá estava ele, se corria atrás das frutas o homemzinho se fazia presente, como uma tentação! Depois de muita recusa e insistência, vi que ele era a figura icônica de um verdadeiro sósia de JÜRGEN HABERMAS, depois disso, comecei a persegui-lo seção por seção com uma tietagem frenética, aparecia coragem e ao mesmo tempo timidez, queria de todas as formas registrar uma foto (mesmo que de celular) com aquele que seria um dos grandes ícones da filosofia política e da teoria social do século XX. Imaginei de início que tirar uma foto com ele seria como ir até Frankfurt ou presenciar o embate histórico entre ciência e fé, quando do grande encontro entre Habermas e seu conterrâneo, o Cardeal Joseph Ratzinger (atual Papa Bento XVI) num debate filosófico na década de 1990.

Nestes tempos dos preparativos para o processo eleitoral onde candidatos a deputados e senadores e até presidenciáveis se rasgam, se acusam e se conspiram movendo mundos e fundos, até mais fundos do que mundos, acabei recuperando um pouco das lembranças da teoria social desenvolvida a partir do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt (1924), também conhecido como Escola de Frankfurt, que se constitui como sendo uma estrutura acadêmica de pensamento filosófico-sociológica organizada sob uma matriz de conhecimento voltada às questões atinentes a modernidade, principalmente dentro do contexto do mundo capitalista que insurge no séc. XX no período entre guerras e no cenário burguês industrial.

Neste caso, Habermas, que jurei ter encontro num supermercado em Campina Grande, é um destes filósofos fundamentais ainda vivos que ajudam a entender o espaço público e a participação política dos indivíduos, principalmente no processo eleitoral de uma sociedade revestida pelo Estado Democrático de Direito. Para tanto, segue abaixo dois trechos de duas de suas importantes obras “Conhecimento e interesse - Escola de Frankurf (1975)” e "Para a reconstrução do materialismo histórico (1983)" para registramos a grande importância que temos enquanto sujeitos políticos que lutam dialeticamente pelo agir comunicativo como recurso para desenvolver as ações intersubjetivas presentes no diálogo e no espaço público, principalmente enquanto espaço de reconhecimento do direito e da moral:

"É lógico que o processo de comunicação só pode realizar-se numa sociedade emancipada, que propicie as condições para que seus membros atinjam a maturidade, criando possibilidades para a existência de um modelo de identidade do Ego formado na reciprocidade e na idéia de um verdadeiro consenso" (HABERMAS, 1975, p. 300).

"(...) moral e direito definem o núcleo da interação. Revela-se aqui, por conseguinte, a identidade das estruturas de consciência, encarnadas, por um lado, nas instituições do direito e da moral e, por outro, expressas nos juizos morais e nas ações dos indivíduos" (HABERMAS, 1983, p. 15).



Coisas imprescindíveis para pensar acerca do destino dos homens durante o pré e pós processos eleitorais, mesmo que tenham nascido entre os labirintos das seções de um supermercado!

(Trechos das tessituras da modernidade que ando escrevendo...)

sábado, 4 de setembro de 2010

In memorian 11 setembro: controle descontrolado das emoções




















“As differences in power and rank diminished, the motive to keep up a social and psychic distance lost vigour, resulting in greater interest in the daily lives of 'ordinary' people. With increased mobility, and more frequent contact between different kinds of people, has come the pressure to look at oneself and others with greater detachment, to ask qusetions about manners that previous generations took for granted: why is this forbidden and that permitted or prescribed? These processes have been the driving forces behind the growing interest in the study of manners, mentalities and emotion management”.

(WOUTERS, Cas. Changing regimes of manners and emotions: from disciplining to informalizing. In.: LOYAL; QUILLEY (eds.). The sociology of Norbert Elias. Cambridge: Cambridge University Press. p. 196).

Para pensar acerca das “grandes tragédias” e acontecimentos recentes da História, particularmente o 11 de setembro de 2000, quero trazer o pensamento do cientista social Cas Wouters (1943), discípulo do sociólogo Norbert Elias (1897-1990) para pensar o terrorismo “globalizado” aplicando suas idéias sobre os conceitos de interdependência e (in) formalização, que prefiguram o nascimento de uma segunda natureza nos sujeitos contemporâneos, cuja situação foi iniciada no século XX com a informalização dos padrões de comportamento, etiqueta e emoções com aquilo que Wouters (2004) chama de “um controle descontrolado das emoções”. O século XX passou por mudanças empíricas no campo da emoção e dos costumes que se tornaram evidentes em demonstrar que a sociedade passa a ser submetida à informalização das estruturas de personalidade. Essa condição é possível em virtude das mudanças em relação ao convívio e sociabilidade entre as pessoas, principalmente quando a educação, por exemplo, tornou-se menos rígida, formal e hierarquizada, o que significou um dos principais fatores de disseminação de diferenças nas estruturas sociais. Essas mudanças favoreceram a diminuição da distância entre as diferenças no poder e na classificação social, o motivo para manter uma distância social e psíquica perdeu vigor, resultando em um maior interesse na vida cotidiana das pessoas normais. Com o aumento da mobilidade, e mais freqüentemente do contato entre diferentes tipos de pessoas foi possível chegar a constituir uma revisão sobre a maneira de olhar para si mesmo e para os outros sem um maior distanciamento, principalmente porque agora é possível pensar sobre o que é proibido e o que permitido, tornando os processos sociais possíveis de serem estudados a partir dos costumes, mentalidades e da emoção. A imagem icônica dos aviões mergulhando nas “torres gêmeas” é uma representação global e multidimensional de que foram encurtadas as distâncias e as fronteiras, essa informalização dos processos nos ajuda a entender que a globalização aproximou muitas coisas via capitalismo sem fronteiras, inclusive elementos que até então eram apenas ficção cientifica dos filmes, infelizmente o terrorismo acaba sendo um incremento destes elementos negativos, a própria dinâmica do sistema instiga há que o medo do “inimigo sem rosto” bata a nossa porta, como se as cenas cinematográficas também nos dimensionassem para dentro dos aviões ou das torres.

Bem vindos ao paradigma do “controle descontrolado das emoções”!


Marcelo Eµfrasıø