segunda-feira, 16 de junho de 2014

"A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam" - um jogo para hermenêutica da vida






Sublevando a condição humana, nada mais pontual do que um toque preciso com o manuseio da hermenêutica da vida, a partir do exercício de compreensão e interpretação do mundo pelas lentes da contextualização "A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam".

O 'ser' que somos é a linguagem, diria o hermeneuta alemão Martin Heidegger.  Contudo, para que os indivíduos se tornem humanos em sua essência é preciso concebê-los como metafísicos, como produtos e agentes do pensar. Mais também do agir, como defendeu Kant. O agir humano, pressupõe uma conduta marcada pela sua vulnerabilidade, mas também pela coragem de buscar a felicidade a partir da condução de sua trajetória, que não pode estar dissociada da compreensão e interpretação do mundo. Não se trata na modernidade fenomênica heideggeriana de considerar apenas a máxima medievalista "agere sequitur esse" (o agir segue o ser), mas incorporar junto com a hermenêutica filosófica o próprio sentido do homem, uma vez que cabe a ele, enquanto ser privilegiado ser compreendido na totalidade. Heidegger denominou essa figura simbólica de ser-aí (Da-sein), isto é, aquilo que representa o ser humano posto na realidade cotidiana, aberto às interpretações, indissociável do (no) mundo.

Este homem heideggeriano está envolto de suas lutas, marcado pelos exercícios de (re)significações e interpretações sobre a vida.

Metaforicamente cada pessoa humana hospeda dentro de si uma 'águia'. Acaba sentido-se portador de um projeto infinito. Deseja quebrar paradigmas, inclusive os limites de sua condição existencial. Existem diferentes movimentos na conjuntura política, econômica, educacional e na realidade enfrentada por cada um que pretendem reduzir os indivíduos a simples 'galinhas', figuras frágeis, presas nos limites do terreiro. Como é possível aos indivíduos dar asas a 'águia' (tornando-se além de leitor, também co-autor), alcançar as alturas, inserir a figura simbólica da 'galinha' na condição de heroína em sua própria trajetória senão a partir do exercício de (re)significação de sua condição (humana)?

Para quem anda procurando interpretar os fenômenos jurídicos e as conjunturas sobre a realidade política, social etc., particularmente os que se encontram desmotivados ou presos por amarras, por vezes, da incompreensão/intolerância nos limites da (in)segurança jurídica, recomendável o olhar simbólico e intimista do teólogo e filósofo Leonardo Boff em seu livro "BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: Uma metáfora da condição humana. 12ª Ed. Vozes. Petrópolis, RJ. 1997".

sábado, 7 de junho de 2014

A Sabedoria de São Francisco de Assis - diácono dos pobres




Minhas modestas impressões sobre a sabedoria teológica e antropológica de São Francisco de Assis.


A sabedoria de São Francisco de Assis (1182-1226), diácono da Igreja, que viveu em tempos medievais é sacramentalmente representada pela dimensão do serviço. Vivencia o serviço a partir de sua entrega pelo amor e caridade aos pobres. Enquanto modelo de servidor (diaconia, do grego διάκονος "ministro" ou "servo"), manifesta sua missão mediante um grande desafio, a edificação da comunidade por meio dos pobres, no testemunho de doação e partilha pelos pobres, por meio da caridade. Além do constante exercício da dimensão espiritual, através do culto e da reflexão evangélica, no seguimento do Cristo e na atividade edificante de testemunhar o amor de Deus.

Sua vocação se confirma ao escutar e atender o clamor do Altíssimo: "Francisco, vai e repara a minha casa que, como vês, está em ruínas". Doravante sua missão evangelizadora de humanizar a comunidade eclesial e o mundo feudal,  Francisco enquanto diácono, exerce seu ministério do serviço não com a prática da comunidade (franciscana) em direção aos pobres, mas uma práxis a partir dos pobres, com a vivência e amor com os pobres, com o objetivo de transformar a comunidade e a sociedade tomando como modelo o projeto do Reino de Deus. Anuncia Tiago em sua Carta Apostólica: "Ouvi, meus amados irmãos. Não escolheu Deus os que para o mundo são pobres, para serem ricos em fé e herdeiros do Reino que Ele prometeu aos que o amam?" (Tg 2:5).

O jovem de Assis rememora pelo seu testemunho o amor do Cristo servidor, em um contexto histórico marcado por atribulações e pelas intempéries de um período hostil e banalizado pela usura religiosa e política, quando o espírito franciscano ecoá com o chamado cristocêntrico para o exercício da metáfora do serviço,  simbolizado pelo ato de lavar os pés dos discípulos: "Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também" (Jo 13:15).

Sua missão enaltece a chama dos homens de bom coração, aqueles que perante o mundo são fracos e marginalizados, mas podem colaborar como servos no projeto salvífico de Deus, porque a dimensão franciscana revive também a missão da comunidade cristã, com aquelas pessoas que se inspiram na ética do cuidado e se entregam ao serviço dos pobres. Afinal,  também estes vivem Pentecostes: “até sobre os meus servos (doulous) e minhas servas (doulas) derramarei do meu Espírito naquelas dias, e profetizarão” (At 2.18). 

Numa dimensão antropológica, São Francisco de Assis encarna o exercício da razão (logos), que se instaura "absolutamente" e da paixão (pathos) que comove e coloca os homens de joelhos, pressupõe iconicamente que o homem subverte a alma e se inspira nos bons exemplos de uma vida dedicada às pequenas coisas do mundo, porém reaprendendo o sentido da própria vida nos anos que ainda lhe resta. Sabendo que razão e emoção devem andar juntas em cada instante da efemeridade. 

E das pequenas às grandes coisas que experimenta em cada instante da vida, seu jeito servidor e contemplativo inspira o gênero humano a aprender com os sinais transcendentes neste mundo, desde a mera contemplação de uma aranha que desce no produto de seu longo trabalho, ao esplendoroso encantamento do Sol que abraça o dia repleto de vidas.


Por Marcelo Eufrásio.