sábado, 31 de dezembro de 2022

É tempo de esperançar ...


"Esperançar" é verbo no infinitivo, isto é, se refere a ação pessoal que não foi completamente terminada, expressa a ideia de continuidade no tempo, como por exemplo, cada Ano Novo que se inicia, uma vez que quando o assunto é o tempo,  almejamos o extraordinário. Já afirmava o filósofo  pré-socrático Heráclito de Éfeso: "a morada do ser é o extraordinário". Não que o rito de passagem seja mágico e invasivo, mas é um convite para sonhar e mudar as rotas que se revestem de (re) começos.

Precisamos cortejar a imaginação, dividir o tempo em estágios como se mil anos fosse uma vida, que pudesse ser nutrida por pensamentos em fagulhas de sonhos, como se cada período dividido em dias, meses e anos fossem degraus de uma grande escadaria que levassem ao porvir, alimentando as esperanças e afugentando a desilusão.

E se as coisas não dão por certas, lá vem mais um ano, como a metáfora de uma escadaria em que cada degrau é uma tentativa de experimentar a felicidade.

Se certezas ou não, o importante em cada escalada de um degrau a ser vencido é a possibilidade de apaziguar as inquietações diante do que a razão desconhece. Assim o é desde o prelúdio que abraçou com veemência o homo sapiens na primavera dos tempos. 

Desta constatação nascem algumas notas entusiasmadas para bem acolher os dias que vem, sem perder de vista o entusiasmo que nutre à vida e nos motiva para avançar cada degrau ou página do livro da vida, afinal o entusiasmo (que deriva do grego "enthousiasmos"), significa "ter um Deus interior" ou "estar cheio/completo de Deus", representa este estado de excitação da alma que nos dispõe (dis-posição) para seguirmos firmes em nossos propósitos.  

Nos dias que virão,  deverão estar cheios de entusiasmo e esperança, por isso, lembremos: 

Se os tempos são líquidos, que cada instante não seja efusão do efêmero, mas a procura de viver na mais entusiasmada essência.

Se a vida revelar instantes de incerteza, o desejo de bem viver austeramente seja o mapa que conduza os dias.

Se o novo ano lhe traga inquietações, tranquilize a alma, encontre nas perguntas motivos de buscar intensamente as alegrias e a maturação em cada descoberta.

Tempo novo é assim, como um acorde para composição das melodias da vida, frutuoso como o anseio pela chegada da amada e palpitante como a contagem na espera de uma surpresa. 

O importante é que os dias sejam esperançosos, inspiradores e reveladores como o suspiro incólume de cada degrau que se almeja chegar.  

Feliz Ano Novo!




terça-feira, 4 de outubro de 2022

Francisco, o arauto da diaconia

 A sabedoria de São Francisco de Assis (1182-1226) é sacramentalmente representada pela dimensão do serviço (dianonia). Vivencia o serviço com sua entrega pelo amor e caridade aos pobres. Enquanto modelo de servidor, manifesta sua missão mediante um grande desafio, a edificação da comunidade por meio e graça da santidade, testemunho e doação aos pobres. Além do constante exercício da dimensão espiritual, através do culto e da reflexão evangélica, no seguimento do Cristo e na atividade edificante de testemunhar o amor de Deus.


Sua vocação se confirma ao escutar e atender o apelo do Altíssimo: “Francisco, vai e repara a minha casa que, como vês, está em ruínas”. Doravante sua missão evangelizadora de humanizar a comunidade eclesial e o mundo feudal, Francisco exerce seu ministério do serviço não com a prática da comunidade (franciscana) em direção aos pobres, mas a práxis a partir dos pobres, com a vivência e amor para com os pobres, com o objetivo de transformar a comunidade e a sociedade tomando como modelo o projeto do Reino de Deus, conforme anuncia Tiago em sua carta apostólica: "Ouvi, meus amados irmãos. Não escolheu Deus os que para o mundo são pobres, para serem ricos em fé e herdeiros do Reino que Ele prometeu aos que o amam?” (Tg 2,5).

O jovem de Assis rememora pelo seu testemunho o amor de Cristo servidor, em um contexto histórico marcado por atribulações e pelas intempéries de um período hostil e banalizado pelo individualismo. Nele o Espírito Santo ecoa com o chamado cristocêntrico para o exercício do serviço, prefigurado pela rica metáfora do gesto do lava pés dos discípulos: “Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também” (Jo 13,15).


Sua missão enaltece a chama dos homens de bom coração, aqueles que perante o mundo são fracos e marginalizados, mas podem colaborar como servos no projeto salvífico de Deus, porque a dimensão franciscana revive também a missão da comunidade cristã, com aquelas pessoas que se inspiram na ética do cuidado e se entregam ao serviço dos pobres. Afinal, também estes vivem Pentecostes: “até sobre os meus servos (doulous) e minhas servas (doulas) derramarei do meu Espírito naquelas dias, e profetizarão” (At 2,18).

São Francisco de Assis, arauto da paz e do serviço, encarna a solidez da razão (logos), que se instaura para equilibrar a paixão (pathos) humana, comove e coloca os homens de joelhos para contemplar a perfeição da criação de Deus. Ele representa iconicamente o homem consciente e virtuoso, subvertendo sua alma, para inspirar os bons exemplos de uma vida dedicada às pequenas coisas do mundo, fazendo-nos reaprender o sentido da própria vida nos anos que ainda nos resta diante deste mundo atribulado e poluído. E das pequenas às grandes coisas que experimentamos em cada instante da vida, Francisco de Assis com seu espírito de obediência, pobreza e castidade, se faz mediador das criaturas (criações de Deus) ao apre(e)nder com os sinais transcendentes que tudo aquilo que é obra divina representa a manifestação da paz, desde a mera contemplação de uma aranha que desce no produto de seu longo trabalho, ao esplendoroso encantamento do Sol que abraça o dia repleto de vidas.

domingo, 15 de novembro de 2020

Erguer a mão ao pobre!


 No dia alusivo ao IV Dia Mundial dos Pobres, celebrativo convencionado pelo papa Francisco para promoção da reflexão acerca dos dramas materiais e existenciais da pobreza humana, a reflexão se torna urgente, uma vez que somos convidados a viver uma profunda pobreza evangélica.

Na fronteira da simples relação de oposição entre riqueza e pobreza, existe uma riqueza-pobre e uma pobreza-rica. Essa nuance é possível de se enxergar, desde que se vença o manto da cegueira e do anestesiamento coletivos, e, portanto, ao adoecimento dos sujeitos, ao vazio existencial, à crise financista e ao pânico social. 

A nova idolatria moderna vê o ser apenas ali onde está o ter, por isso, promove como referências, a reluzência das espetacularizações midiáticas, a desinformação da informação oca das redes sociais, o poder sem relação com a legitimidade, à moeda sem relação com a produção. 

Hodiernamente, a pobreza se massifica e se institucionaliza pela omissão nos projetos governamentais. Até 2021, segundo o Banco Mundial (2020), 150 milhões de pessoas podem mergulhar na pobreza extrema. 82% dos novos pobres vivem no Brasil, ou seja, vivem com menos de 12 reais por dia. 

O papa Francisco em sua mensagem para este dia, ressalta a importância do gesto simbólico, materializado na esteira de um profundo gesto que nos leva da imanência à transcendência “Estende tua mão ao pobre” (Eclo 7,32), quando nos lembra em tempos de pandemia das ricas expressões da caridade. 

A pobreza que decorre das imensas e abissais desigualdades sociais que persistem no Brasil contemporâneo é território de uma classe social deslocada do universo das sociabilidades, que torna o pobre um pária da sociedade em meio a cultura da indiferença. 

O sentimento que ecoa da sociedade é de “Aporofobia”, do grego άπορος (á-poros), indigente, pobre, isto é, φόβος (fobos), medo; rejeição, hostilidade e aversão às pessoas pobres e à pobreza. 

O pobre é destituído da cidadania reificada de nossos tempos. Isso diz pouco sobre como o pobre é, mas diz muito sobre as patologias da sociedade contemporânea que precisam ser exorcizadas, a partir do sublime gesto de "estender a mão". 

(Na foto, oléo sobre tela "Retirantes" de Candido Portinari, pintado em Petropólis-RJ, 1944)

domingo, 12 de abril de 2020

A ressurreição e o milagre da vida


Cada vida que nasce é sinal indelével do amor e da criação divina, desde uma insípida bactéria que completa e harmoniza todo ecossistema até a diversidade manifestada na natureza, que se projeta para expressar a equidade, que nasce, brota e dá sentidos à existência. Cada teofania no mundo projeta uma lição que por vezes a humanidade não está preparada para acolher em sua sutileza e suas lições.
As manifestações divinas também se apresentam na dor das ausências. Por vezes as dores do mundo descortinam as fragilidades estaladas no coração humano, seja uma partida, uma doença ou uma dor profunda (física ou existencial), são nos momentos de perda, que nos damos conta das limitações e do vazio. Afinal, a vida precisa de um  sentido.
As perdas costumam nos levar ao encontro de quem realmente nós somos, por exemplo, com a pandemia do novo coronavírus (covid-19) ocorreu o “desmonte das seguranças” a partir das ausências, apareceu a melancolia dos que sentem a ausência da vida social ou daqueles que estão famintos, e que gritam por socorro em meio à tristeza pela ausência da solidariedade social. É um movimento de descontinuidade, que exacerba as exigências do que devemos ser.
Na antiguidade os gregos assimilavam este processo como sendo a “kínesis”, isto é, movimento. Significando não apenas mudança de lugar ou a locomoção, mas toda e qualquer alteração ou mudança qualitativa ou quantitativa de um ser, desde o nascimento até o seu desaparecimento.
As crises costumam nos convidar às mudanças.
Neste domingo da Páscoa, é oportuna a leitura do evangelista Mateus (28, 1-10), este apresenta a narrativa da ressurreição de Cristo, nos oferece a pedagogia pascal. É o evangelista que escreve para comunidade judaica na Judeia, enfatiza a necessidade da presença das testemunhas da ressurreição, tem pressa pelo anúncio. Algumas palavras transmitidoras do mistério da ressurreição são exortadas: "Não tenhas medo!" e "Alegrai-vos!" (Mt 28, 5.9). 
Não ter medo, alegrar-se. Essa mensagem pretende sublevar a comunidade apostólica ali representada por “Maria Madalena e a outra Maria” para que pudesse mergulhar no mistério pascal, uma vez que ainda se encontravam na madrugada triste em meio a dor da perda do Senhor sentenciado à crucificação. 
A comunidade das apóstolas, mensageiras da Boa Nova aos apóstolos, ainda estava apegada às dores da perda, mas é chegado o momento que deve produzir o sentimento de quem está de passagem (atitudes de movimento e mudança) do que era para o que deverá ser, ruptura e descontinuidade, coragem de estar em movimento e mudança. A doce alegria pela descoberta de quem estava morto e agora vive para sempre, e pelo anúncio da Boa Nova à comunidade.
A Boa Nova da ressurreição deve sempre produzir as mudanças necessárias, para que produzam as marcas e os movimentos geradores de vida e dos frutos do amor entre as pessoas. 
Lembro-me aqui de alguns anos atrás ter vivido uma experiência de descoberta de quem espera e luta pelo milagre da vida (passo a narrá-la). De quem deseja ensinar, mas que de fato está em busca de movimento abrindo o coração para acolher (e aprender).  
Tratava-se de uma pequena semente que brotou no nosso jardim, fruto do trabalho de jardinagem da minha filha pequena, ela persistia regando frequentemente em meio aos dias ensolarados, desde que plantamos juntos fazia alguns meses. Pela doce descoberta de quem na tenra idade nunca tinha plantado, de repente ela descobre um carinho especial num Domingo (Pascal), eis que a plantinha com suas pequenas folhas intensamente verdes recebeu do sol o brilho intenso para agraciar-nos com sua beleza, nos presenteando com sua flor intensamente amarela. Justamente para surpresa de quem adquire a semente sem saber a cor que serão as flores, o amarelo que significa luz, calor, otimismo e alegria, ao mesmo tempo, simboliza o sol, a prosperidade e a felicidade. 
Para quem estava em movimento, cuidando e persistindo, nunca desistindo de cada dia, pois ali aparece o mistério da vida. A ruptura que transcende e que gera o novo, uma duvida (ou medo) que se transforma em certeza e alegria. Uma teofania se apresentou. 
Nada mais esplendoroso como dádiva divina do que a vida, simbolizada no desabrochar do botão de uma flor.
A flor manifesta a graciosidade e beleza da vida que nasce e se transforma numa planta sem igual. Às vezes o sol a calcinava, em outras a afagava. Nestes tempos raramente a chuva a castigava ou frequentemente aquela menininha no oficio de jardineira continua realizando o trabalho de regá-la na esperança pelo desabrochamento, cuidando, cativando e sublevando suas raízes na espera por sua espontânea beleza. Não raro à noite a envolve mansamente. Nunca a ouvi queixar-se por causa do calor ou do frio. Jamais cobra alguma coisa por sua majestática beleza. Nem o agradecimento. Ela se dá simplesmente. Gratuitamente. Não é menos majestosa quando o sol a acaricia de que quando o vento a açoita. Não cuida se a olha. Nem se incomoda se a galga. Ela é como Deus: tudo suporta; tudo sofre; tudo acolhe. Deus se comporta como ela. Por isso a plantinha com sua flor (amarela) é um sacramento de Deus: revela, recorda, aponta, reenvia.
Numa madrugada, sinal da duvida (do medo e da tristeza) surge a esperança (como, por exemplo, de Maria Madalena que se desinstala para ir ao sepulcro, ou ainda, de quem persiste esperando o primeiro botão de rosa ou de quem na vida não desiste da luta) pelo novo dia que estava prestes a se revelar com seu esplendor, assim a vida floresceu. É preciso que a Páscoa do Ressuscitado projete em nós a alegria pelo movimento mesmo diante das dores do mundo, pois quem vive o mistério pascal experiencia este "novo dia" frequentemente com os sinais da vitória da vida sobre a morte e revela que pela fé se desfazem as duvidas. 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Natal é tempo de milagre






Cada vida que nasce é sinal indelével do amor divino, se apresenta resignificando o que o mundo insensível e desumano tantas vezes já sentenciou pela banalidade, mas a vida também renasce, da morte em vida para um milagre na vida, mesmo naquela pequena criança que em meio a situação de fome, luta para pulsar o desejo mais intimo e necessário.
A pequena criança deseja nascer numa noite feliz, nasce tantas vezes quanto o seu choro se confundir com o grito dos pobres e (in)felizes que clamam pelo desejo de viver, porque assim deve ser a "noite feliz". Noite da "feliz chegada", quando todos nutrem diante das agruras da vida aquilo que seu coração deseja, o resgate da vida em plenitude. É assim como se no choro do Deus menino também estivesse o clamor de toda criança que deseja nascer para viver plenamente.
Passam anos, meses e dias na expectativa da surpresa de quem espera um naco de pão da solidariedade alheia e desinteressada, que ali naquele instante Jesus nasça, a luminosidade que não se apaga, luz e alegria, marcadamente reveladas no autêntico Natal. É a Luz verdadeira que invade as vidas, apontando para a fraterna comunhão.
Nada mais esplendoroso como dádiva divina do que a vida revelada no desabrochar do olhar fixo de uma criança que deseja viver em meio a um mundo tão hostil.
A angustia expressa materialmente pela fome, seguramente se converte em esperança, quando na feliz espera fagulha uma ponta de solidariedade e amor.

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Song for longing ...


"I have a dream, a song to sing, to help me cope with anything ..."

Dos olhares distantes às lembranças presentes, no arrebol está a nostalgia que fica das coisas que passam, mas também solidifica no coração um passado distante das cenas e das palavras cravadas que ficam.

Assim é o retrato da saudade de quem se ama que como um viajante se vai, mas como a estrada que leva com muita força ela também volta.

Saudade de quem se ama não é remorso, é lembrança que serve de alimento para quem no passado já se nutriu com abraços, beijos, gestos e as palavras mais doces desta vida, e como quem nunca se dá por satisfeito ainda não se preencheu do outro em sua eterna entrega.

Na confluência dos extremos esculpidos por Deus estão o nascimento e a morte, a profusão do que nos liberta e nos iguala em natureza humana e divina. 

E assim, em cada página escrita no livro da vida, as lembranças nos visitam para cortejar cada instante bom da vida como se aqueles, que amamos, estivessem sempre presentes. 

"... and my destination makes it worth the while".   



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"Aos que a certeza da morte entristece, a promessa de imortalidade consola. Ó Senhor, para os que creem em Vós, a vida não é tirada, mas transformada, e desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado nos céus um corpo imperecível" (prefácio dos fiéis defuntos I) 


(In memoriam João Eufrásio e Maria Eunice).

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Dream for mother



Fazem algumas luas que me encontro carregado de saudade,
as mãos e pés calejados me trazem uma icônica lembrança,
do consolo nos braços maternos das tardes cinzentas de outono.
Ao trazer na memória essa lembrança, 

reavivam alguns dos sonhos da minha infância, 
mesmo quando a dor calcina. 

Mas, no coração repleto de fé e esperança, 
anseio pelo prelúdio de um pôr do sol celeste, 
restando-me um sopro de vida e as lições legadas pela minha amada mãe.

E, se a saudade demarca seu território em cada primavera,
os sonhos que tenho são a marca indelével de minhas lembranças,
sabendo que a presença eterna de minha mãe, 

se fortalece nos braços de minha família.

I have a dream
A song to sing
To help me cope ...! 


Uma música para acompanhar a leitura do poema acima, interpretado por Richard Clayderman no piano com "I have a dream": http://www.youtube.com/watch?v=mVXWMmiTTE0

segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

O ano novo e uma oração para o tempo


O tempo é testemunha da vida que passa, como passa mais um ano, passam nossas vidas. A vida é quem tem pressa, o tempo cronológico viseja diante das horas, dias, meses e anos como instantes fossem. O velho ano que se entrega nestas horas que faltam está nas mãos de Deus, o novo ano cabe a cada um de nós construí-lo tecendo seus fios numa longa teia de sentidos.

Rogamos ao Senhor que Ele sempre esteja conosco para que possamos fazer dos dias que vem um tempo kairológico, a morada do amor, da paz e da justiça fraterna nos instantes que passam, mais também que ficam.

Esta é a oração do tempo que é imprescíndivel para a vida, um tempo que não vai, mas que fica.

O futuro não é algum lugar para o qual estamos indo, mas um lugar que estamos construindo.

Seja 2019 frutuoso e abençoado como os acordes de uma bela melodia para vida.

Feliz Ano Novo!

São os votos de Marcelo e família.

domingo, 23 de dezembro de 2018

Natal e a arte do encontro




Já é de conhecimento de todos que a vida ganha sentidos quando bem vivida e compreendida a partir da dimensão do amor, uma vida bem vivida significa uma constante e incansável busca pela felicidade nos desvelando das agruras que o mundo nos oferece. O Natal é um momento oportuno para (re) significar os sentidos que a vida nos propõe.

De todas as manifestações e expressões do sentido natalino, nenhuma é tão simbólica e representativa do que a expressão do encontro. Embora a celebração do Natal em tempos pós-modernos seja eivada de desejos mercadológicos e sentimentos egocêntricos, a essencialidade da mensagem do nascimento de Jesus, o Verbo encarnado, não pode ser perdida de vista sob nenhuma hipótese. Numa destas singelas e preciosas expressões do sentido simbólico do Natal reside à arte do encontro. Convencionamos popularmente chamá-la de arte, possivelmente inspirado no pensamento aristotélico que definia a arte como imitação da natureza, aquilo que a partir das estratégias e técnicas humanas é possível expressar a riqueza que a natureza sozinha não consegue manifestar.  Então, a arte também explica a natureza.

O poeta Vinicius de Moraes clarificando a sabedoria popular, afirmou “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. Nestes termos, faz-se memoria de em quantas ocasiões, para tantas pessoas, o Natal é um momento celebrativo de despedida, da ausência, da partida ou do desencontro. Sendo o momento de celebração da vida que nasce na estrebaria, bem que poderia também ser momento de ressignificação. Momento do encontro, por exemplo, que se anuncia pelo esforço do homem ou da mulher que trabalha o dia todo, para no final da tarde ter a alegria do encontro com sua família; da mulher que na expectativa, alimentada pelo imaginário maternal encontra seu filho recém-nascido; do Estado que encontra sentido para suas ações políticas no seu povo e do jovem que encontra nas lições de casa sua melhor trajetória ou simplesmente dos reis magos, representando as nações orientais, que tem a alegria de encontrar o menino Deus na condição humano-divina. Uma busca que é firmada seguramente na máxima do encontro, ao alimentar a essência humana do meu nada (eu em si) com o meu tudo que é Deus. Significantemente, a vida é arte do encontro.

Conta o teólogo Leonardo Boff em um de seus ensaios teológicos que na época que estudava na Alemanha, precisamente na Baviera, no seu primeiro Natal fora da pátria, viveu um misto de melancolia e saudade, ao encontra-se na noite de Natal em pleno inverno europeu aos 22 anos. Abaixo de zero fora de seu país e distante da família. A véspera do Natal foi um dia intenso de muitas atividades para ele, confissões e celebrações, sempre regadas com muitas manifestações alegres. Depois das festas nas ruas e dos encontros celebrativos, o silêncio foi intenso, ele encontra-se na solidão de seu quarto, alimentado pelas lembranças que povoaram seu dia. E eis por volta de 1:30 da madrugada, soa a campainha  do convento franciscano. Uma velhinha está à porta. Segura uma lanterna acesa. Toda envolta num grosso manto cinza. Trazia um pequeno pacote.

Disse: “É para o Paterle (padrizinho) estrangeiro que estava na missa do galo”. Fui chamado. Entregou-me o pacote, todo enfeitado, com breves palavras: “O Senhor está longe de sua pátria. Distante dos seus. Aqui, um pequeno presentinho para o Senhor. Também para o Senhor hoje é Natal”. Apertou-me fortemente a mão e se afastou na noite abençoada pela neve.

O presente era uma vela. E continuou Boff: “a luzinha iluminou a noite da solidão. As sombras se projetaram trêmulas e longas na parede. Não me senti mais só. Fora da pátria havia acontecido o milagre de todo o Natal: a festa da fraternidade de todos os homens. Alguém compreendeu a mensagem do menino: fez do estranho um próximo e do estrangeiro um irmão”. 

Apontando para singularidade da mensagem do Natal é possível acolher na condição humana a necessidade do ressignificado do sentido da vida a partir do encontro com o outro, uma vez que são nas experiências do encontro que à vida encontra novos e belos sentidos, nem que seja em pequenos gestos singelos e fraternos que muitas vezes podem ser despercebidos pela lógica mundana. Parafraseando o filósofo francês Luc Ferry, aprender a viver é simplesmente superar a banalidade da vida cotidiana e encontrar a originalidade de sua essência. 

Independentemente da trajetória religiosa, é inegável a essencialidade da mensagem do Natal, que nasce da manjedoura de Belém, da simplicidade que apresenta a criança envolta em faixas e nos traços mais sublimes em que se encontra a maior lição de amor.    

Ensina Leonardo Boff (Os sacramentos da vida e a vida dos sacramentos, 1975): para quem vê tudo a partir de Deus, o mundo todo é um grande sacramento; cada coisa, cada evento histórico surge como sacramento de Deus e de sua divina vontade. Eis que, portanto, se pode dizer: “o sacramento é uma parte do mundo (in-manente), mas que traz em si um outro Mundo (trans-cendente), Deus” (p. 35). Os sacramentos possuem ambivalência ou dois movimentos: um que vem de Deus para a coisa e outro que vai da coisa para Deus. Tem a função indicadora e a função reveladora (p. 35). Indica e aponta para Deus presente dentro dele, não com o objeto, mas no objeto. Vai do objeto para Deus. Em sua função reveladora o sacramento revela, comunica e expressa Deus presente nele. Não tira o homem de seu mundo, mas dirige um apelo para que olhe mais profundamente para dentro do coração do mundo (p. 36). Assim, pois, “a vocação fundamental do homem terrestre consiste em tornar-se um homem sacramental” (p. 36).

Na profecia de Miqueias encontra-se a razão da espera pelo encontro: “Por isso, (Deus) os deixará, até o tempo em que der à luz aquela que há de dar à luz” (Mq 5,2). O Natal é um convite intenso para viver a sacramentalidade da vida no retorno de si mesmo, na arte do encontro com o Outro.    

Feliz Natal.


sexta-feira, 2 de novembro de 2018

A essência para vida - Dia dos Finados



"Então o Rei dirá aos que estão à direita: 'Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo, porque tive fome e me destes de comer; tive sede e destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim'"  (Mt 25, 34-36).

No entardecer da vida o encontro com a morte, ela não pode ser a essência para vida, mas a alvorada para o encontro com o sentido da natureza humana.

Não há essencialmente a vida sem perdão e amor, uma vez que são estes que nos trazem a perfeição à alma e atinge o ápice da altitude divina, afinal só se sobe em espírito quando se desce em matéria. Só se pode elevar a individualidade quando a personalidade se reduz.

Só há vitória quando derrotamos a nós mesmos em nossas vaidades. E só teremos amor quando a ele renunciarmos para doá-lo aos outros.

Fazendo memória dos mortos, celebrando a vida em sua essência eterna.


Obs. A composição do "Cannon" de Pachelber nossa introspeção.