segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

O ano novo e uma oração para o tempo


O tempo é testemunha da vida que passa, como passa mais um ano, passam nossas vidas. A vida é quem tem pressa, o tempo cronológico viseja diante das horas, dias, meses e anos como instantes fossem. O velho ano que se entrega nestas horas que faltam está nas mãos de Deus, o novo ano cabe a cada um de nós construí-lo tecendo seus fios numa longa teia de sentidos.

Rogamos ao Senhor que Ele sempre esteja conosco para que possamos fazer dos dias que vem um tempo kairológico, a morada do amor, da paz e da justiça fraterna nos instantes que passam, mais também que ficam.

Esta é a oração do tempo que é imprescíndivel para a vida, um tempo que não vai, mas que fica.

O futuro não é algum lugar para o qual estamos indo, mas um lugar que estamos construindo.

Seja 2019 frutuoso e abençoado como os acordes de uma bela melodia para vida.

Feliz Ano Novo!

São os votos de Marcelo e família.

domingo, 23 de dezembro de 2018

Natal e a arte do encontro




Já é de conhecimento de todos que a vida ganha sentidos quando bem vivida e compreendida a partir da dimensão do amor, uma vida bem vivida significa uma constante e incansável busca pela felicidade nos desvelando das agruras que o mundo nos oferece. O Natal é um momento oportuno para (re) significar os sentidos que a vida nos propõe.

De todas as manifestações e expressões do sentido natalino, nenhuma é tão simbólica e representativa do que a expressão do encontro. Embora a celebração do Natal em tempos pós-modernos seja eivada de desejos mercadológicos e sentimentos egocêntricos, a essencialidade da mensagem do nascimento de Jesus, o Verbo encarnado, não pode ser perdida de vista sob nenhuma hipótese. Numa destas singelas e preciosas expressões do sentido simbólico do Natal reside à arte do encontro. Convencionamos popularmente chamá-la de arte, possivelmente inspirado no pensamento aristotélico que definia a arte como imitação da natureza, aquilo que a partir das estratégias e técnicas humanas é possível expressar a riqueza que a natureza sozinha não consegue manifestar.  Então, a arte também explica a natureza.

O poeta Vinicius de Moraes clarificando a sabedoria popular, afirmou “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. Nestes termos, faz-se memoria de em quantas ocasiões, para tantas pessoas, o Natal é um momento celebrativo de despedida, da ausência, da partida ou do desencontro. Sendo o momento de celebração da vida que nasce na estrebaria, bem que poderia também ser momento de ressignificação. Momento do encontro, por exemplo, que se anuncia pelo esforço do homem ou da mulher que trabalha o dia todo, para no final da tarde ter a alegria do encontro com sua família; da mulher que na expectativa, alimentada pelo imaginário maternal encontra seu filho recém-nascido; do Estado que encontra sentido para suas ações políticas no seu povo e do jovem que encontra nas lições de casa sua melhor trajetória ou simplesmente dos reis magos, representando as nações orientais, que tem a alegria de encontrar o menino Deus na condição humano-divina. Uma busca que é firmada seguramente na máxima do encontro, ao alimentar a essência humana do meu nada (eu em si) com o meu tudo que é Deus. Significantemente, a vida é arte do encontro.

Conta o teólogo Leonardo Boff em um de seus ensaios teológicos que na época que estudava na Alemanha, precisamente na Baviera, no seu primeiro Natal fora da pátria, viveu um misto de melancolia e saudade, ao encontra-se na noite de Natal em pleno inverno europeu aos 22 anos. Abaixo de zero fora de seu país e distante da família. A véspera do Natal foi um dia intenso de muitas atividades para ele, confissões e celebrações, sempre regadas com muitas manifestações alegres. Depois das festas nas ruas e dos encontros celebrativos, o silêncio foi intenso, ele encontra-se na solidão de seu quarto, alimentado pelas lembranças que povoaram seu dia. E eis por volta de 1:30 da madrugada, soa a campainha  do convento franciscano. Uma velhinha está à porta. Segura uma lanterna acesa. Toda envolta num grosso manto cinza. Trazia um pequeno pacote.

Disse: “É para o Paterle (padrizinho) estrangeiro que estava na missa do galo”. Fui chamado. Entregou-me o pacote, todo enfeitado, com breves palavras: “O Senhor está longe de sua pátria. Distante dos seus. Aqui, um pequeno presentinho para o Senhor. Também para o Senhor hoje é Natal”. Apertou-me fortemente a mão e se afastou na noite abençoada pela neve.

O presente era uma vela. E continuou Boff: “a luzinha iluminou a noite da solidão. As sombras se projetaram trêmulas e longas na parede. Não me senti mais só. Fora da pátria havia acontecido o milagre de todo o Natal: a festa da fraternidade de todos os homens. Alguém compreendeu a mensagem do menino: fez do estranho um próximo e do estrangeiro um irmão”. 

Apontando para singularidade da mensagem do Natal é possível acolher na condição humana a necessidade do ressignificado do sentido da vida a partir do encontro com o outro, uma vez que são nas experiências do encontro que à vida encontra novos e belos sentidos, nem que seja em pequenos gestos singelos e fraternos que muitas vezes podem ser despercebidos pela lógica mundana. Parafraseando o filósofo francês Luc Ferry, aprender a viver é simplesmente superar a banalidade da vida cotidiana e encontrar a originalidade de sua essência. 

Independentemente da trajetória religiosa, é inegável a essencialidade da mensagem do Natal, que nasce da manjedoura de Belém, da simplicidade que apresenta a criança envolta em faixas e nos traços mais sublimes em que se encontra a maior lição de amor.    

Ensina Leonardo Boff (Os sacramentos da vida e a vida dos sacramentos, 1975): para quem vê tudo a partir de Deus, o mundo todo é um grande sacramento; cada coisa, cada evento histórico surge como sacramento de Deus e de sua divina vontade. Eis que, portanto, se pode dizer: “o sacramento é uma parte do mundo (in-manente), mas que traz em si um outro Mundo (trans-cendente), Deus” (p. 35). Os sacramentos possuem ambivalência ou dois movimentos: um que vem de Deus para a coisa e outro que vai da coisa para Deus. Tem a função indicadora e a função reveladora (p. 35). Indica e aponta para Deus presente dentro dele, não com o objeto, mas no objeto. Vai do objeto para Deus. Em sua função reveladora o sacramento revela, comunica e expressa Deus presente nele. Não tira o homem de seu mundo, mas dirige um apelo para que olhe mais profundamente para dentro do coração do mundo (p. 36). Assim, pois, “a vocação fundamental do homem terrestre consiste em tornar-se um homem sacramental” (p. 36).

Na profecia de Miqueias encontra-se a razão da espera pelo encontro: “Por isso, (Deus) os deixará, até o tempo em que der à luz aquela que há de dar à luz” (Mq 5,2). O Natal é um convite intenso para viver a sacramentalidade da vida no retorno de si mesmo, na arte do encontro com o Outro.    

Feliz Natal.