Já
é de conhecimento de todos que a vida ganha sentidos quando bem vivida e
compreendida a partir da dimensão do amor, uma vida bem vivida significa uma
constante e incansável busca pela felicidade nos desvelando das agruras que o
mundo nos oferece. O Natal é um momento oportuno para (re) significar os
sentidos que a vida nos propõe.
De
todas as manifestações e expressões do sentido natalino, nenhuma é tão
simbólica e representativa do que a expressão do encontro. Embora a celebração
do Natal em tempos pós-modernos seja eivada de desejos mercadológicos e
sentimentos egocêntricos, a essencialidade da mensagem do nascimento de Jesus,
o Verbo encarnado, não pode ser perdida de vista sob nenhuma hipótese. Numa
destas singelas e preciosas expressões do sentido simbólico do Natal reside à
arte do encontro. Convencionamos popularmente chamá-la de arte, possivelmente
inspirado no pensamento aristotélico que definia a arte como imitação da
natureza, aquilo que a partir das estratégias e técnicas humanas é possível
expressar a riqueza que a natureza sozinha não consegue manifestar. Então, a arte também explica a natureza.
O
poeta Vinicius de Moraes clarificando a sabedoria popular, afirmou “A vida é a
arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. Nestes termos,
faz-se memoria de em quantas ocasiões, para tantas pessoas, o Natal é um
momento celebrativo de despedida, da ausência, da partida ou do desencontro. Sendo
o momento de celebração da vida que nasce na estrebaria, bem que poderia também
ser momento de ressignificação. Momento do encontro, por exemplo, que se
anuncia pelo esforço do homem ou da mulher que trabalha o dia todo, para no final da tarde
ter a alegria do encontro com sua família; da mulher que na expectativa,
alimentada pelo imaginário maternal encontra seu filho recém-nascido; do Estado
que encontra sentido para suas ações políticas no seu povo e do jovem que
encontra nas lições de casa sua melhor trajetória ou simplesmente dos reis magos,
representando as nações orientais, que tem a alegria de encontrar o menino Deus
na condição humano-divina. Uma busca que é firmada seguramente na máxima do encontro, ao
alimentar a essência humana do meu nada (eu em si) com o meu tudo que é Deus. Significantemente,
a vida é arte do encontro.
Conta
o teólogo Leonardo Boff em um de seus ensaios teológicos que na época que
estudava na Alemanha, precisamente na Baviera, no seu primeiro Natal fora da
pátria, viveu um misto de melancolia e saudade, ao encontra-se na noite de Natal
em pleno inverno europeu aos 22 anos. Abaixo de zero fora de seu país e
distante da família. A véspera do Natal foi um dia intenso de muitas atividades
para ele, confissões e celebrações, sempre regadas com muitas manifestações
alegres. Depois das festas nas ruas e dos encontros celebrativos, o silêncio
foi intenso, ele encontra-se na solidão de seu quarto, alimentado pelas
lembranças que povoaram seu dia. E eis por volta de 1:30 da madrugada, soa a
campainha do convento franciscano. Uma
velhinha está à porta. Segura uma lanterna acesa. Toda envolta num grosso manto
cinza. Trazia um pequeno pacote.
Disse:
“É para o Paterle (padrizinho)
estrangeiro que estava na missa do galo”. Fui chamado. Entregou-me o pacote,
todo enfeitado, com breves palavras: “O Senhor está longe de sua pátria.
Distante dos seus. Aqui, um pequeno presentinho para o Senhor. Também para o Senhor
hoje é Natal”. Apertou-me fortemente a mão e se afastou na noite abençoada pela
neve.
O
presente era uma vela. E continuou Boff: “a luzinha iluminou a noite da
solidão. As sombras se projetaram trêmulas e longas na parede. Não me senti
mais só. Fora da pátria havia acontecido o milagre de todo o Natal: a festa da
fraternidade de todos os homens. Alguém compreendeu a mensagem do menino: fez
do estranho um próximo e do estrangeiro um irmão”.
Apontando
para singularidade da mensagem do Natal é possível acolher na condição humana a
necessidade do ressignificado do sentido da vida a partir do encontro com o outro,
uma vez que são nas experiências do encontro que à vida encontra novos e belos sentidos,
nem que seja em pequenos gestos singelos e fraternos que muitas vezes podem ser
despercebidos pela lógica mundana. Parafraseando o filósofo francês Luc Ferry,
aprender a viver é simplesmente superar a banalidade da vida cotidiana e
encontrar a originalidade de sua essência.
Independentemente
da trajetória religiosa, é inegável a essencialidade da mensagem do Natal, que
nasce da manjedoura de Belém, da simplicidade que apresenta a criança envolta
em faixas e nos traços mais sublimes em que se encontra a maior lição de amor.
Ensina
Leonardo Boff (Os sacramentos da vida e a vida dos sacramentos, 1975): para
quem vê tudo a partir de Deus, o mundo todo é um grande sacramento; cada coisa,
cada evento histórico surge como sacramento de Deus e de sua divina vontade.
Eis que, portanto, se pode dizer: “o sacramento é uma parte do mundo (in-manente), mas que traz em si um outro
Mundo (trans-cendente), Deus” (p.
35). Os sacramentos possuem ambivalência ou dois movimentos: um que vem de Deus
para a coisa e outro que vai da coisa para Deus. Tem a função indicadora e a
função reveladora (p. 35). Indica e aponta para Deus presente dentro dele, não
com o objeto, mas no objeto. Vai do objeto para Deus. Em sua função reveladora
o sacramento revela, comunica e expressa Deus presente nele. Não tira o homem
de seu mundo, mas dirige um apelo para que olhe mais profundamente para dentro
do coração do mundo (p. 36). Assim, pois, “a vocação fundamental do homem
terrestre consiste em tornar-se um homem sacramental” (p. 36).
Na
profecia de Miqueias encontra-se a razão da espera pelo encontro: “Por isso,
(Deus) os deixará, até o tempo em que der à luz aquela que há de dar à luz” (Mq
5,2). O Natal é um convite intenso para viver a sacramentalidade da vida no retorno
de si mesmo, na arte do encontro com o Outro.
Feliz Natal.