segunda-feira, 7 de março de 2011

O olho mitológico do cíclope e o show de bundas na tevê!

















Ao ligar a tevê nestes dias carnavalescos até parece que estamos diante de um "leilão de bundas" ao vivo, cada qual oferecendo sua "fruta" como se mercadoria fosse. Nada mais provocador que o "Dia Internacional da Mulher" (08 de março de 2011) cair na terça-feira de (dia de) carnaval!

Nestes tempos está em evidência a síndrome da "mulher fruta" do "gênero humano" hibrido, seja homem ou mulher metamorfoseado, como diria Stuart Hall pensando as identidades na pós-modernidade, objeto desejado, mas também vilipendiado pelos discursos sobre as conquistas femininas de "mulheres frutas" que vieram da periferia (ou favelas, postas à margem [melhor dizendo, marginalizadas pelos próprios programas televisivos - programas policiais e pelo sensacionalismo de Gugu, Faustão, Luciano Huck entre outros] pela mídia que as "salvou" da miséria) e conquistaram um pseudo-espaço neste reality television.

Até brigas aparecem nas imagens da tevê (tem outra coisa para assistir?), melhor dizer, barracos em horário nobre envolvendo as frutas vítimas do sistema de consumo, tendo como testemunhas os telespectadores (desde famílias e suas crianças até a platéia juvenil sedenta por diversão), vendo nas cenas um entretenimento livre. Até parece que as "frutas" conquistaram sua auto-estima na mídia como detentoras de nádegas voluptuosas (ou outras partes avantajadas) que refletem uma percepção social de que quanto maior a bunda, maior a sensualidade, ou ainda, um pretenso prazer "incomparável" provocado pelas partes.

Frente a banalização dos sentidos carnavalescos conforme já dissemos noutro comentário acerca do riso e da ironia, em louvor do espetáculo "sem brilho" do carnaval made in televisão brasileira (esvaziando os sentidos, resumidos pejorativamete e de maneira apelativa à nudez feminina), lembrei de uma discussão semiótica do pensador mexicano Octávio Paz no seu livro "Conjunções e Disjunções" lançado pela editora Perspectiva em 1979, para constituir uma leitura acerca das metáforas populares na contemporaneidade.

Neste contexto indicado por Octávio Paz em seu livro, há uma realidade escondida nas estórias e nas figuras latinas (hispano-americanos), que nasceu da realidade histórica deste Continente e se espreita nos "corpos selvagens" destes povos, afirma ele: "o que digo deve ser entendido literalmente: estou falando da realidade que está abaixo da cintura e que a roupa encobre. Refiro-me a nossa cara animal, sexual: a bunda e os órgãos genitais. Não exagero nem invento, a metáfora é tão antiga como a dos olhos "espelhos da alma". Há uma gravura de Posada que representa um fenômeno de circo: uma criatura anã vista de costas mas com o rosto voltado para o espectador e que mostra embaixo, no lugar das nádegas, outro rosto". Acrescenta ele, "é uma longa comparação entre bunda e rosto. A superioridade da primeira consiste em ter um olho só, como os cíclopes que descendiam dos deuses da visão" (PAZ, 1979, p.10-11).

Será que neste jogo semiótico e metafórico as "mulheres frutas e as fankeiras" descobriram a virtude da (pré)visão, do olho mitológico do cíclope que se esconde na semana e aparece nas noitadas do fank e nos tempos de carnaval? Acho que por isso, as ninjas do fank e as demais personagens escondem o rosto para revelar a outra cara!

Na mitologia grega da obra Odisséia, inserida por Paz (1997) este lembra da cara dos cíclopes, para afirmar que passamos do mundo humano ao mitológico, pois se a cara é bestial como a bunda, a bestialidade de ambas é divina e demoníaca, logo é o cíclope Polifero (filho de Poseídon e da ninfa Teosa, que combate com Ulisses na estória deste herói rumo a Ítaca), no momento que o cíclope contempla a água e descobre seu rosto:


"Miréme y lucir vi un sol en mi frente
cuando en el cielo un ojo se veía:
neutra el agua dudaba a cual fe preste:
o al cielo humano o al cíclope celeste" (PAZ, 1979, p. 11).

ou, traduzindo:

"Olhei-me e vi um sol luzir em minha frente
quando no céu um olho se via:
neutra a água hesitava em qual dar crédito:
se ao céu humano, se ao cíclope celeste".


Concluo este protesto (amoral ou moralizante) lembrando que o sentido da metafóra do rosto para lembrar a outra cara (bunda) e a "perversão dos corpos" é uma forma interpretativa de ler a realidade quanto a submissão da mulher (suposta mercadoria vendida como fruta, e pior a preço de banana). Se ocorrem transformações "o olho do cú: o do cíclope: o do céu. [...]" (PAZ, p. 11), é porque o enfoque fenomelógico estabeleceu uma leitura (des)moralizante sobre o que ocorre frequentemente com a imagem da mulher - sagrada em todos os seus sentidos - mas transformada em motivo de obsessão sexual e/ou riso com as imagens das "mulheres frutas", por exemplo, mesmo que representem em sua essência os sentidos da vida e a metáfora do prazer.
Como alerta Paz (1979, p. 14), "a cara ri da bunda e assim traça de novo a linha divisória entre o corpo e o espírito".

Nenhum comentário:

Postar um comentário