domingo, 17 de junho de 2018

TEOLOGIA DA SEMENTE LANÇADA NA TERRA

O evangelista São Marcos nos convida a refletir sobre o Reino de Deus, particularmente a partir da passagem do “Evangelho das parábolas” (Mc 4, 26-34). Neste trecho é intrigante encontrar Jesus ensinando aos compatriotas da Galiléia sobre o Reino de Deus a partir do cotidiano da vida campesina, utilizando-se dos códigos de linguagem da gente da roça, do oficio do agricultor, a partir da simplicidade que confundia os doutores da lei e os fariseus e aproximava-o dos pobres e marginalizados.
Acontece que como ensina o teólogo alemão Karl Rahner a teologia nasce das profundezas da pré-compreensão do que o homem entende de si e do mundo para estabelecer o entendimento sobre a linguagem e a mensagem divina. E o Messias por excelência é aquele que desvenda os pressupostos do Reino de Deus a partir de uma linguagem eminentemente humana ao recorrer à didática da linguagem metafórica por meio das parábolas.
As parábolas são um recurso lingüístico habitual na literatura dos povos do Médio Oriente, era muito comum falarem por meio de imagens, comparações e alegorias, para transmitir o significado que a mensagem revelava. Neste caso, este recurso metafórico (linguagem comparativa) oferece vantagens significativas. Em primeiro lugar, porque é um excelente meio para suscitar a controvérsia, instrumentalizando o diálogo e o contexto na época, em segundo lugar, também oferece imagens que ajudam a reforçar o poder da comunicação, prendendo a atenção do interlocutor com a narrativa e reflexão, e por último, na linguagem parabólica encontra-se um método pedagógico semelhante à maiêutica socrática (ironia e questionamento) para que as pessoas possam se interrogar e por meio da linguagem estabeleçam um olhar critico sobre sua realidade a partir de suas próprias conclusões. Diante deste recurso, Jesus tangencia a mensagem do Reino de Deus para nos brindar com uma mensagem que toca e adentra no coração das pessoas. O trecho do Evangelho de Marcos no capítulo 5, versículos 26-29, apresenta-nos uma catequese rica em simbolismo, trata-se de uma nova realidade inaugurada pelo Filho de Deus que veio anunciar e propor o projeto de salvação.  
Jesus nos apresenta o grão que germina e cresce por si só. A parábola refere-se à atuação do agricultor no ato de semear e de ceifar. Ademais a ação de Deus não contempla os demais processos até chegar à semeadura, não precisa de alarde, quase imperceptivelmente o milagre acontece, no arar a terra, regar a semente, tirar as ervas que a impedem de crescer. Ao narrador interessa apenas que, entre a sementeira e a colheita, a semente vá crescendo e amadurecendo, sem que o homem intervenha para impedir ou acelerar o processo. A questão essencial não é o que o agricultor faz, mas o dinamismo vital da semente, fruto da graça divina. O resultado final não depende dos esforços e da habilidade humana, mas sim do dinamismo da semente que foi lançada na terra.
Jesus ensina que o Reino de Deus (a semente) é uma iniciativa divina: é Deus quem atua no silêncio da noite, na agitação do dia ou nas contradições da história para que o Reino aconteça; e nenhuma turbulência poderá inibir seu projeto. Neste caso, a parábola é dirigida contra a ação humana que promove o anti-Reino, seja dos zelotas que pretendiam implantar um Reino por meio da violência, dos fariseus que impunham a obediência pela norma irrestrita, ou ainda daqueles que buscavam apocalipticamente adivinhar quando seria a chegada do Reino. Seguramente a única certeza que nos é devida é saber que a marcha da história é orquestrada única e exclusivamente por Deus, que fará com que o Reino aconteça, de acordo com o seu tempo e o seu desígnio.
Desta forma, a parábola convida-nos ao empenho para que realizemos na vida um projeto divino a partir da adesão incondicional aos sinais do Reino, lançar a semente também representa a projeção de Deus em nossas vidas a partir daquilo que o filósofo Luc Ferry ensina como sendo aprender a viver. Viver substancialmente a partir da dimensão do amor e da fé Nele e com Ele.
A semente lançada em terra já pode dar frutos na medida em que aquilo que Deus projetou em minha vida pela semeadura eu possa colher como frutos bons, uma práxis traduzida pela poetisa Cora Carolina:

(CORALINA, Cora. Melhores poemas. 2 ed., São Paulo: Global, 2004).


Antes de mais, o Evangelho garante-nos que Deus tem em marcha um projeto destinado a oferecer aos homens a vida e a salvação.  Não nos compete exigir que os outros caminhem conforme nossas exigências, ou que pensem como nós, que tenham as mesmas experiências e exigências que consideramos mais lapidares. Há que respeitar a consciência e o ritmo de caminhada de cada homem ou mulher, assim como Deus exige de cada um conforme seus limites. 

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