terça-feira, 1 de maio de 2018

Lévinas e o parto humanizado



Após assistir o documentário “O Renascimento do parto” e participar de um debate na universidade, ganhei fôlego para produzir um artigo intitulado A RAZÃO NASCEU DO ÚTERO: DIREITO HUMANO PELO PARTO HUMANIZADO, já publicado em revista cientifica. Em homenagem às mulheres destinadas e humanizadas (que com saúde e as condições psicológicas e físicas permitem podem parir de forma humanizada - normal) um pequeno trecho para reflexão do artigo produzido.


A partir da tradição humanitária que se instaurou nas sociedades contemporâneas fruto da influência judaico-cristã, bem como da moral socrático-platônica, a ideia de humanização do corpo tem sido fervorosamente concebido como espaço do sagrado. O corpo expressa a vida, o cuidado com ele remete a transcendência com a natureza. A sociologia do corpo expressa sua compreensão deste espaço endógeno do gênero humano, particularmente com o mistério da fisis do feminino com o seguinte entendimento: [...] o corpo é o vetor semântico pelo qual a evidência da relação com o mundo é constituída: atividades perceptivas, mas também expressão dos sentimentos, cerimoniais dos ritos de interação, conjunto de gestos e mímicas, produção da aparência, jogos sutis da sedução, técnicas do corpo, exercícios físicos, relação com a dor, com o sofrimento, etc. Antes de qualquer coisa, a existência é corporal (BRETON, 2007, p.7).


O cuidado com o corporal, principalmente com a expressão do corpo da mulher começa no útero, ritualiza-se metaforicamente a expressão humana do gesto de gerar a vida a partir do parto. Trazer no ventre uma criança transcende o valor supremo da natureza humana, afinal com este ritual se exercita a perpetuação da vida. De que a vida é gerada, nasce e se transforma no corpo da mulher e se projeta no mundo.


O filósofo Emmanuel Lévinas (1906-1996), defensor da questão da alteridade, bem como da ética que se institui por trás da axiologia do termo em questão, não propõe uma epistemologia do transcendente, mas propõe uma redescoberta da filosofia cujo elemento central passa a ser a questão ética e não meramente ontológica, desse modo, destaca a importância real da relação do homem com o outro. Neste aspecto, Lévinas ressalta a importância do eu, que possui identidade como conteúdo, assim seu existir consiste em identificar-se neste mundo, conceituando sua trajetória a partir do seu existir. A filosofia da alteridade a partir do filósofo francolituano parte da subjetividade, neste aspecto analogamente é possível entender sua conceituação para essência da maternidade. A maternidade é uma metáfora para o feminino, uma expressão para relação do sujeito com o outro. Assim, a maternidade representa esta substituição, em que o Eu gera em sim um Outro (LÉVINAS, 2005).


A mulher que gera um filho no seu frente, constrói a aproximação mais intima entre seu Eu e a sua cria, uma relação natural ao mesmo tempo convencional do Eu em relação ao Outro. Meneses (2008) afirma a partir do pensamento de Lévinas que "a subjetividade maternal fala de uma proximidade que é independente do saber, da consciência, mas que nasce na vulnerabilidade e na substituição. A maternidade precede a própria consciência" (MENESES, 2008, p. 159). Ao constatar que na contemporaneidade as mulheres têm optado pelo procedimento cirúrgico, com parto cesariano, para dar à luz, se percebe que a sociedade tecnocrática e mercadológica tem influenciado decididamente as práticas médicas, ao ponto de nos hospitais privados a taxa de partos pela modalidade cesariana ser representado por mais de 80% dos procedimentos. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) o total de partos cesáreos em relação ao número total de partos é bastante significativo. Tem-se verificado um acentuado crescimento de intervenções cirúrgicas para o parto, discrepando com as orientações oficiais que afirmam por evidências científicas que apenas 15% dos partos necessitam de procedimentos cirúrgico, sendo aconselhável que os demais 85% que se constituem de gestações de baixo risco sejam realizadas pelo parto vaginal, popularmente denominado de "parto normal".


Nestes procedimentos cirúrgicos ocorre a violência obstétrica. De acordo a pesquisa intitulada "Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado" (2010, p. 173-174), produzido pela Fundação Perseu Abramo, constatou que em cada quatro mulheres uma sofre algum tipo de violência durante o parto. A indicação médica pela intervenção cirúrgica no parto repousa influencia dos avanços tecnológicos, mas acima de tudo pelo incremento mercadológico e pelo ritmo frenético dos profissionais da saúde para ocupar cada vez mais horários de plantões e atendimentos. Neste aspecto, propõe o discurso dos Direitos Humanos, sob uma perspectiva dos direitos de solidariedade, um conjunto de ações de valorização do parto normal, humanizado, inscreve-se entre as reflexões em favor do respeito e valorização da dignidade humana, quando se trata da questão de reprodução humana e direitos de sexualidade, o respeito e cuidado pelo corpo feminino.


A alteridade na maternidade corresponde numa abordagem levinasiana à construção da subjetividade, quanto a proteção do Outro pelo Eu (LÉVINAS, 2005), em que está em jogo também a questão do parto. Nenhuma direito humano pode incorre no erro de deixar de salvaguardar a liberdade de escolha da mulher, no exercício de sua liberdade, quando se trata de dar à luz a um filho. Assim como na antiguidade a razão nasce simbolicamente do útero (método socrático), na contemporaneidade o útero também expressa a linguagem da ética, ao expressar o desejo da vida humanizada, que ocorre a partir da humanização com o parto (natural).

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