A
décima viagem diplomática e missionária do Papa Francisco inscreve na História contemporânea
uma página marcante nestes dias de profunda desumanização dos povos, tempos de crise
financeira, violência urbana (da Síria via extremistas do Estado Islâmico até
os excluídos que promovem arrastões na zona sul carioca), corrupção, xenofobia contra migrantes clandestinos e (re) definição geopolítica diante do novo paradigma
da “era das catástrofes” para o século XXI, aludindo à metáfora do historiador Eric
Hobsbawm.
A nova
missão do Santo Padre, mensageiro franciscano, é digna de aplausos até dos mais
agnósticos e obcecados ideólogos da direita, da esquerda ou do centro, ela
inquieta e incomoda, pelo poder sem pleonasmos de sua anunciação. Personifica profeticamente
as palavras apostólicas de São Tiago:
“Onde houver ciúme e contenda, ali há também perturbação e toda espécie de vícios. A sabedoria, porém, que vem de cima, é primeiramente pura, depois pacífica, condescendente, conciliadora, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade, nem fingimento. O fruto da justiça semeia-se na paz para aqueles que praticam a paz” (Tg 3,16-4).
Sua
missão tem sido insistentemente marcada pelos sinais de Paz.
Contam
os anais jornalísticos que em 1973, em plena Guerra Fria, o então presidente de
Cuba, o socialista Fidel Castro foi perguntado pelo jornalista de uma agência
de notícias britânica, Brian Davis, se ele acreditava que seriam restabelecidas
as relações internacionais entre Cuba e Estados Unidos em um futuro próximo, já
que se tratava de países tão distantes ideológica e politicamente, mas bem
próximos geograficamente. E a resposta de Fidel foi enfática “Os Estados Unidos
só voltarão a dialogar conosco quando tiverem um presidente negro e quando
houver no mundo um Papa latino-americano”.
Quarenta
anos depois, a profecia de Fidel se concretiza num contexto favorável,
sobretudo para marcar o processo "pós-moderno" no qual o mundo se encontra
atualmente, fortemente perpassado por uma luta desenfreada pela desterritorialização, sacralização do mercado
e redefinição de fronteiras nacionais, ideológicas, religiosas etc.,
principalmente porque na atual conjuntura somam-se 65 muros fronteiriços pelo
mundo, quando na época da Guerra Fria, tempos da geopolítica “capitalista-socialista”
do muro de Berlim, tínhamos 16 muros espalhados pelo mundo. Hoje os muros são muito
mais invisíveis, eles são definidos pelo poder e violência simbólica.
Fazendo
alusão da clássica obra do historiador inglês Christopher Hill sobre a missão do Papa
Francisco em Cuba e Estados Unidos, ele escreveu “O mundo de ponta-cabeça: idéias radicais durante a Revolução Inglesa de
1640” de tradição neomarxista. Hill não reproduziu uma análise sobre a
revolução burguesa do séc. XVI a partir dos discursos da
estrutura oficial, baseada na medicina, direito ou teologia, nem tão pouco pela
contenda economicista na História. Preocupou-se em historiar a luta pela
liberdade sob o ponto de vista da multidão, a partir das experiências do povo. Nesta
perspectiva da historiografia social inglesa, o povo representa um elemento
determinante para entender as nuances da historicidade, sobretudo como peça
fundamental para construção de um movimento revolucionário, cujo bojo
encontra-se no processo produtivo de acumulação de capital e nas transformações
estruturais. Sua abordagem revisa as mudanças históricas, que possibilitam o
nascimento de uma segunda via de contra cultura popular e comunal.
Hoje,
Hill é lembrado pela metáfora da inversão social “o mundo de ponta cabeça” ou
naquilo que o Papa Francisco resgata da divida histórica dos tempos da “Guerra Fria” exaltando
uma reflexão profunda em torno da ”Paz”.
Não
precisamos de muitas teorias sociais para entender a dinâmica do processo atual,
quando é encontrada nas palavras do Sumo Pontífice sua incisiva luta
diplomática nos moldes kantianos e da sabedoria cristã, muito distante dos
estratagemas da época da cortina de ferro.
Palavras
como:
“Os
cristãos cubanos devem ‘servir’ aos mais frágeis na sociedade e ‘não servir-se’”.
“Há
um 'serviço' que serve, mas devemos ter cuidado com o outro serviço, a tentação
do 'serviço' que 'se' serve”.
Sobre o povo cubano “um povo
que tem gosto pela festa, pela amizade, pelas coisas belas [...] É um povo que
têm feridas, como todo povo, mas que sabe estar com os braços abertos, que marcha
com esperança, porque sua vocação é de grandeza”.
Afirmações proferidas no último domingo, dia 20 de setembro, quando o Papa Francisco defendeu a rejeição de
qualquer “ideologia” no serviço às pessoas, diante de uma multidão presente na
Praça da Revolução em Havana, marcam sua postura evangélica e diplomática. Nos
seus vinte seis discursos programados o tom será marcado por mensagens que
buscam resgatar a dignidade humana, tolerância, alteridade e mobilização popular. Seguramente
ao discursar nesta semana na Organização das Nações Unidas – ONU sua Encíclica Laudato Si será lembrada, já que com ela
se irrompe as fronteiras do parlamento mundial para lembrar da “casa comum” e a ecologia integral como
elementos determinantes para reconfigurar o “mundo de ponta cabeça”. Só assim Fidel e Obama devem pensar seriamente em substituir 'endurecer' por 'amolecer' o coração: "Hay que amolecer, pero sin perder la ternura jamás".
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