Comumente estamos preocupados com o tempo,
principalmente nas atividades diuturnas que exigem dedicação e cuidado com a
vida familiar, trabalho, lazer, descanso e até a vida afetiva. Porém, a
humanidade nos últimos séculos, pouco sentido deu a importância que a atividade
ocupacional possui para melhoria da qualidade de vida e para afirmação da
solidariedade como valor ético. Geralmente influenciados pela sociedade de
mercado, preocupamo-nos em saber quantos anos levam para nossa vida ter
progresso financeiro, se nossos filhos serão, um dia, realmente aquilo que nós
desejamos que sejam, se teremos uma velhice tranquila com
estabilidade financeira.
Com efeito, estes questionamentos não passam de
mera efemeridade, pois, em boa parte das ocasiões, o que preocupa as pessoas
tem sido a transitoriedade do tempo corrido e de quanto se leva para possuir
bens materiais ou conquistas pessoais, negligenciamos em grande medida as
mudanças que nos proporcionam o bem viver com os outros. Porém, compreendê-las,
dando importância a compreensão do sentido existencial neste mundo
"comum" torna-se urgente.
Sobre este aspecto, nos chama a atenção o
filósofo Emmanuel Lévinas (1906-1996), defensor da questão da categoria da
alteridade, que segundo ele, é a forma para experimentar a ética intimamente
associada ao agir, como sendo um valor que não propõe uma epistemologia do
transcendente (teoria do conhecimento sobre Deus), mas defende uma redescoberta
dos valores cujo elemento central passa a ser a questão ética (respeito de si
mesmo a partir da acolhida e respeito ao Outro). Sua teoria do conhecimento não
tem como ênfase um discurso teológico sobre Deus ou Infinito, mas da
compreensão da ação do Infinito divino na criação, isto é, o ser (ontológico)
não é o elemento preponderante para o conhecimento, mas sim a grandeza ética do
Ser Infinito que se expressa nas relações de convivência entre os homens. Neste
aspecto, a cultura judaico-cristã nos ajuda a compreender que a harmonização da
vida, consequentemente a salvação (escatologia) nascem das experiências
terrenas com os outros.
Sua filosofia está presente na concepção do
discurso sobre Deus que se manifesta na ética da alteridade, destaca o
pensamento de Lévinas que a melhor forma de agir conforme a ética é manifestar
a importância real da relação do homem com o outro (seu semelhante). Neste
aspecto, Lévinas ressalta a importância da figura do eu, que possui identidade
como conteúdo, assim seu existir consiste em identificar-se no mundo,
conceituando sua trajetória a partir do seu coexistir com os demais
indivíduos.
A filosofia da alteridade baseada no filósofo
franco-lituano parte da subjetividade, propõe que sua categorização esteja
intimamente associada a dimensão política. Essa construção de base política é
representada pelo lugar de convivência com o Outro, reconhecendo neste alguém,
alguns meios para compartilhar conhecimentos, experiências, inquietações e
mobilizações em relação a vida em comum. Já afirmou o filósofo Aristóteles na
Antiguidade Clássica, que o homem é um ser político, sendo os homens capazes de
tornarem-se justos, por meio do exercício da virtude e da justiça.
Para a filosofia da alteridade, o outro é o
início do filosofar e o princípio do exercício da ética, fundamentado pela
razão, além do sentido do existir humano e a possibilidade de concretização da
justiça e da paz. Nestes termos, aquilo que conduz ao conhecimento é o agir com
justiça, no qual ética e filosofia estão intimamente relacionados como peças
fundamentais para efetivação do conhecimento humano.
Lévinas propõe metaforicamente que conhecer-se é
um exercício que pressupõe o Outro, uma atividade de realização imanente, que envolve
a subjetividade e a exterioridade do sujeito. Segundo ele, o Outro se revela na
metáfora do rosto, que se revela para mim. O rosto não se reduz a plasticidade
(física) de alguém, se concretiza em toda figura do Outro, imagina não apenas
uma face humana representada na figuração do conjunto de uma entidade humana,
que vai além de um rosto, representa um rosto como alteridade do Outro, uma
transcendência que é expressão infinita. Ao falar do rosto de Outro, se fala a
partir de um eu. Daí, portanto, o Outro que se revela sou eu mesmo diante do
espelho.
E qual de nós, ousaria não se olhar diante do
espelho?
Trecho do livro: EUFRASIO, Marcelo Alves P. Descobrindo o belo onde o sol brilha para todos: educação em Direitos Humanos. Curitiba: Contexto, 2016.
Excelente texto, com a coerência de sempre de seu autor, que através de sua sensibilidade, adentra em temáticas bastante importantes para o avançar do ser humano.
ResponderExcluirObrigado amigo, uma honra e satisfação tê-lo como leitor neste modesto espaço de reflexão. Fraterno abraço
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