sábado, 19 de setembro de 2015

Lévinas, o espelho que revela o Outro em mim


Comumente estamos preocupados com o tempo, principalmente nas atividades diuturnas que exigem dedicação e cuidado com a vida familiar, trabalho, lazer, descanso e até a vida afetiva. Porém, a humanidade nos últimos séculos, pouco sentido deu a importância que a atividade ocupacional possui para melhoria da qualidade de vida e para afirmação da solidariedade como valor ético. Geralmente influenciados pela sociedade de mercado, preocupamo-nos em saber quantos anos levam para nossa vida ter progresso financeiro, se nossos filhos serão, um dia, realmente aquilo que nós desejamos que sejam, se teremos uma velhice tranquila com estabilidade financeira.  
Com efeito, estes questionamentos não passam de mera efemeridade, pois, em boa parte das ocasiões, o que preocupa as pessoas tem sido a transitoriedade do tempo corrido e de quanto se leva para possuir bens materiais ou conquistas pessoais, negligenciamos em grande medida as mudanças que nos proporcionam o bem viver com os outros. Porém, compreendê-las, dando importância a compreensão do sentido existencial neste mundo "comum" torna-se urgente. 
Sobre este aspecto, nos chama a atenção o filósofo Emmanuel Lévinas (1906-1996), defensor da questão da categoria da alteridade, que segundo ele, é a forma para experimentar a ética intimamente associada ao agir, como sendo um valor que não propõe uma epistemologia do transcendente (teoria do conhecimento sobre Deus), mas defende uma redescoberta dos valores cujo elemento central passa a ser a questão ética (respeito de si mesmo a partir da acolhida e respeito ao Outro). Sua teoria do conhecimento não tem como ênfase um discurso teológico sobre Deus ou Infinito, mas da compreensão da ação do Infinito divino na criação, isto é, o ser (ontológico) não é o elemento preponderante para o conhecimento, mas sim a grandeza ética do Ser Infinito que se expressa nas relações de convivência entre os homens. Neste aspecto, a cultura judaico-cristã nos ajuda a compreender que a harmonização da vida, consequentemente a salvação (escatologia) nascem das experiências terrenas com os outros. 
Sua filosofia está presente na concepção do discurso sobre Deus que se manifesta na ética da alteridade, destaca o pensamento de Lévinas que a melhor forma de agir conforme a ética é manifestar a importância real da relação do homem com o outro (seu semelhante). Neste aspecto, Lévinas ressalta a importância da figura do eu, que possui identidade como conteúdo, assim seu existir consiste em identificar-se no mundo, conceituando sua trajetória a partir do seu coexistir com os demais indivíduos. 
A filosofia da alteridade baseada no filósofo franco-lituano parte da subjetividade, propõe que sua categorização esteja intimamente associada a dimensão política. Essa construção de base política é representada pelo lugar de convivência com o Outro, reconhecendo neste alguém, alguns meios para compartilhar conhecimentos, experiências, inquietações e mobilizações em relação a vida em comum. Já afirmou o filósofo Aristóteles na Antiguidade Clássica, que o homem é um ser político, sendo os homens capazes de tornarem-se justos, por meio do exercício da virtude e da justiça. 
Para a filosofia da alteridade, o outro é o início do filosofar e o princípio do exercício da ética, fundamentado pela razão, além do sentido do existir humano e a possibilidade de concretização da justiça e da paz. Nestes termos, aquilo que conduz ao conhecimento é o agir com justiça, no qual ética e filosofia estão intimamente relacionados como peças fundamentais para efetivação do conhecimento humano. 
Lévinas propõe metaforicamente que conhecer-se é um exercício que pressupõe o Outro, uma atividade de realização imanente, que envolve a subjetividade e a exterioridade do sujeito. Segundo ele, o Outro se revela na metáfora do rosto, que se revela para mim. O rosto não se reduz a plasticidade (física) de alguém, se concretiza em toda figura do Outro, imagina não apenas uma face humana representada na figuração do conjunto de uma entidade humana, que vai além de um rosto, representa um rosto como alteridade do Outro, uma transcendência que é expressão infinita. Ao falar do rosto de Outro, se fala a partir de um eu. Daí, portanto, o Outro que se revela sou eu mesmo diante do espelho.
E qual de nós, ousaria não se olhar diante do espelho? 


 Trecho do livro: EUFRASIO, Marcelo Alves P. Descobrindo o belo onde o sol brilha para todos: educação em Direitos Humanos.  Curitiba: Contexto, 2016.  

2 comentários:

  1. Excelente texto, com a coerência de sempre de seu autor, que através de sua sensibilidade, adentra em temáticas bastante importantes para o avançar do ser humano.

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  2. Obrigado amigo, uma honra e satisfação tê-lo como leitor neste modesto espaço de reflexão. Fraterno abraço

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