terça-feira, 14 de junho de 2011

"Diálogo entre la razón y la fe" - Entre o Direito e a Religião, onde fica a ética?



O célebre encontro entre “BENEDICTO XVI & HABERMAS” - Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI) e Jürgen Habermas em 2004, que culminou na publicação do livro "A dialética da secularização - sobre razão e religião" é de grande valia para entender a abordagem doa alemães, teólogo cardeal Ratzinger sobre os princípios que fundamentam a moral do Estado democrático e o filósofo Habermas sobre a questão da constituição dos espaços públicos e a possível dificuldade existente da unidade entre razão e religião para consagração dos direitos do homem (discussão já iniciada nas teses de Feuerbach e com Marx).

Claro que aqui não se trata de uma leitura densa, afinal num blog não se propõe um "tratado filosófico” (inclusive em função das minhas limitações), mas se constitui em rápidos comentários que procuram instigar os pensamentos do leitor. Como nas notas que seguem, a começar pela seguinte notícia:

Em 4 de mayo de 2005, o Jornal "La Nacion" anunciava:

Diálogo entre la razón y la fe - El Papa Benedicto XVI y el filósofo Habermas discuten dos visiones para abordar el mundo!

"El entonces cardenal Joseph Ratzinger, actual papa Benedicto XVI, y el filósofo Jürgen Habermas, profesor de la escuela de Francfort y padre del "patriotismo constitucional", celebraron el 19 de enero de 2004, en la Academia Católica de Baviera, en Munich, un diálogo sobre los fundamentos morales prepolíticos del Estado liberal, basándose en las fuentes de la razón y de la fe. Las diferentes posiciones de uno y otro respecto de las raíces de la legitimidad del Estado democrático pusieron de relieve la oposición entre revelación y razón. Aunque también mostraron coincidencias, como la necesidad de controlar, por medio de lo que Habermas califica como aprendizaje recíproco entre razón y fe, los peligros que la religión o la razón pueden acarrear a los derechos del hombre. LA NACION ofrece aquí los textos completos leídos por Habermas y Ratzinger en el memorable debate de Munich. Lo hace como oportuna contribución a una de las cuestiones fundamentales de la cultura en el tercer milenio". (Disponível em: http://www.lanacion.com.ar/704223)


A dialética enquanto categoria filosófica é tão polissêmica em sua carga conceitual e na sua empregabilidade contextual, que só procurando resumir a expressão a idéia de “contradição”; “complementaridade”, “mudança” etc. para entender o termo em sua riqueza conceitual, afinal há uma infinidade de pensadores da antiguidade à contemporaneidade que absolvem sua potencialidade. No entanto, no caso de Bento XVI e Habermas quando utilizam a dialética, eles nos propõem com a categoria hegeliana (filosofia idealista), que podemos retirar alguns aspectos essenciais para nossa reflexão acerca da razão e da religião, além da categoria que deve permear as duas, a questão ÉTICA (política).

Nos artigos que foram capitulados e publicados no livro “A dialética da secularização” – intitulados “Fundamentos morais pré-políticos de um Estado Liberal” (Joseph Ratzinger) e “Fundamentos Pré-Políticos do Estado de Direito Democrático” (Jürgen Habermas), os dois, um teólogo e o outro filósofo, apresentam a preocupação em conciliar os aspectos superestruturais antagônicos como diria a teoria marxista, sobre a razão e a religião. Apesar das posições antagônicas aqui vamos procurar uma conciliação teórica entre dois grandes ícones da intelectualidade na modernidade.

Este livro escrito a seis mãos, trata-se de uma critica a visão do mundo moderno e do “Estado ineficiente”, e tem como interlocutor nesse debate, outro filósofo alemão Böckenförde. Para entender o diálogo entre os pensadores e a necessidade da correlação entre razão e fé, os três apresentam um discurso no qual o Estado é visto como problemático em função de sua ineficiência, principalmente por conta da sua incapacidade em conservar os valores e pressupostos que o criou. Nestes termos, se pergunta se a religião teria o condão de trazer as garantias para sanar esse problema atual do modelo político, sendo possível, será que há condições de definir uma nova aliança entre razão e fé, como resposta ao conflito institucional que aparece nos modelos jurídicos atuais?

Para Habermas há condições para se estabelecer uma nova maneira de relacionar a razão e a fé, com o objetivo de sanar a imobilidade da razão moderna frente ao germe que o consome, por exemplo, os valores imorais que se encontram na política e no direito, fruto de uma razão corrompida. Sendo ele, a síntese da fé e da razão, construída pela filosofia agostiniana e tomista foi esquecida pela época moderna, que, por outro lado, soube apropriar-se criticamente da razão grega, mas não conservou os conhecimentos e os valores judaico-cristãos da salvação, que trazem a autenticidade das idéias sobre revelação e irmandade. Como solução para essa “crise” paradigmática de ausência dos valores patrísticos, aquele filósofo alemão procura resgatar as experiências cristãs dos primeiros séculos em sua historicidade para que a racionalidade secular re-encontre consigo mesma, criando uma unidade de pensamento ético entre Atenas e Jerusalém, sem negar que tais fundamentos construíram a identidade do pensamento Ocidental. Só nestes termos, segundo Habermas, há condições de estabelecer um pensamento relativista entre a razão pura e a fé incondicional.

Enquanto isso o cardeal Ratzinger rebate o pensamento habermasiano ao defender que desde que São João proclamou a chegada do Logos – “No princípio existia o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus” (Jo 1,1), que se percebe que a apropriação da razão grega tem uma necessidade intrínseca, afinal afirma ele, o Deus dos filósofos é o ente divino da História, que participa da caminhada até então. Segundo a teóloga Eneida Jacobsen (Protestantismo em Revista, 2010) “Ratzinger afirma que a Igreja Católica até hoje tem feito uso da razão natural para dialogar com a sociedade secular e outras comunidades religiosas. Todavia, com a geral aceitação da teoria da evolução, a natureza passou a não ser mais vista como racional, levando à que a ideia de um direito natural perdesse sua força”.

Neste sentido, Jürgen Habermas busca uma conciliação entre a razão secularizada e “iluminista” e a razão teológica, como saída para a crise de identidade entre fé e razão, no entanto, essa aliança é construída sob bases antagônicas. O que se evidencia desta problemática categorial é que a leitura de Habermas tem por objetivo desenvolver um debate acerca do espaço de constituição da esfera pública (pela razão e pela fé que inspira ou deveria inspirar, por exemplo, a questão do Estado moderno) a partir da liberdade da pessoa humana (cujos valores são a razão e/ou a fé) e de sua responsabilidade social pela via democrática (cidadania planetária), sendo imprescindível neste percurso o exercício do diálogo (entre razão e fé) que promove a intersubjetividade como promotora da cidadania. No entanto, sua preocupação com as mudanças ocorridas no cenário capitalista burguês, principalmente no âmbito das mídias como uma nova configuração para a publicidade fizeram com que a esfera pública tenha se tornando uma oposição à opinião pública, causando a decomposição entre a dimensão pública em relação à dimensão privada, com seus interesses individuais e patrimoniais (que geram desigualdade, pobreza e desumanização do outro), e que estabelecem uma condição denunciada tanto pelo filósofo quanto pelo Papa teólogo, representada pela questão da ausência de ética nas relações humanas e na política.

Propõe Habermas em última instância uma subordinação da “razão teológica” à autoridade da razão secular, não em função do caráter religioso da subordinação de Deus à razão de natureza transcendente, mas da apropriação dos valores que cada categoria de pensamento possui para exaltação do homem e da sua condição humana.

A questão continua em aberto visto que o ateísmo não se subordina ao teísmo e às suas razões transcendentais, nesta caso, continua ao longo dos tempos a aparecer como uma forte tendência de que a questão de Deus não é meramente teórica, ela é prática, com todas as conseqüências que sua “prática” tem em nossas vidas. Daí que a cidadania (exercício de direitos) não deve ser permeada por subterfúgios ou interesses individuais, conforme propôs a lógica capitalista moderno-racionalista, mas uma inserção do homem na sua condição humana que o torna parceiro dos outros homens, cuja autenticidade se faz em expressões institucionais e em relações ateísta ou deísta de co-responsabilidade e co-cidadania, conforme fizeram, por exemplo, os primeiros cristãos nas catacumbas, no século I  d. C.,  prezavando por atitudes de razão e fé, afinal “Não havia nenhum necessitado entre eles, porque todos os que possuíam campos ou casas, vendendo-os, traziam o preço do que vendiam, depunham-no aos pés dos apóstolos e distribuía-se por cada um segundo a sua necessidade (At 4,34-35).

Não se trata aqui de uma resenha da "Dialética da secularização", mas uma modesta reflexão sobre a contribuição da filosofia habermasiana para entender a ética, nestes tempos “Pós”-Modernos, que também envolvem todas as teias de relações sociais!



Observação: Na foto, o encontro em 19 janeiro de 2004 do filósofo Jürgen Habermas e o cardeal Ratzinger (atual Papa Bento XVI) na Academia Católica da Baviera, em Munique, no qual se discutiram "as bases pré-políticas e morais do Estado democrático".

2 comentários:

  1. Professor... estou fazendo uma visita ao seu blog e sei que vou sair com uma bagagem rica de informações...
    Abraços!

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  2. Obrigado Juliana! São profissionais e estudantes de Direito como você que nos inspiram nas modestas letras da filosofia do direito.

    Seja bem-vinda as travessias de pensar!

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