sábado, 9 de abril de 2011

Se "A História é filha de seu tempo" então "um pensador é operário do seu tempo" - o caso da Teoria Jurídica de Bobbio
















Nas minhas aulas de Introdução à Ciência do Direito II e de Filosofia do Direito tenho me preocupado em constituir uma leitura critica e revisionista da Ciência Jurídica, a partir dos elementos teórico-metodológicos oferecidos pela culturologia jurídica (estudo das experiências históricas e culturais de formação do Direito) tanto é assim que nas conversas com os alunos procuro insistir na idéia de que “cada pensador é filho do seu tempo” uma analogia ao brocardo historiográfico citado por Vavy Pacheco Borges "A História é filha de seu tempo" (do livro ‘O que é História? ’ - Editora Brasiliense, 1998, 4a Edição, p. 56.), neste caso, entendemos que se "A História é filha de seu tempo" então "um pensador é operário do seu tempo"! O que me ajuda a entender e expor sobre a relação entre ser e tempo (fenomenologia heideggeriana), ou seja, de que entre o homem e a teoria há mais coisas do que manda a vã filosofia, a questão histórica é uma delas.

Numa destas aulas expus a Teoria do Ordenamento Jurídico, particularmente a partir do pensamento do jurista e filósofo italiano Norberto Bobbio. Para lembramos quem foi Bobbio, este nasceu em Turim, no dia 18 de Outubro de 1909 (1909-2004), filho de uma família burguesa do norte da Itália, Norberto Bobbio praticamente viveu o século XX por inteiro, vindo a falecer na mesma cidade aos 94 anos, no dia 9 de Janeiro de 2004. Ele tornou-se, nos últimos anos, o pensador político italiano mais famoso do mundo e, bem ao contrário de Nicolau Maquiavel, seu conterrâneo que viveu no Renascimento, tornou-se um dirigente ativista dos direitos individuais e não um apologista dos poderes do Estado. Bobbio foi emérito professor de Direito e Política em Turim, um filósofo da democracia, foi um insuperável combatente a favor dos direitos humanos.

Enquanto militante e defensor dos direitos humanos, Bobbio não esqueceu de contextualizar o modelo de Estado e de sanção do seu tempo, no livro com o mesmo título da aula ministrada dias antes, fizemos questão de lembrar que a teoria bobbiana sobre ordenamento jurídico e norma jurídica já ressaltava que enquanto no século XIX as sanções (um dos elementos identificadores da norma jurídica) eram predominantemente negativas (Estado protetor e repressor, por exemplo, com o predomínio do direito penal) no século XX as sanções são positivas (Estado “facilitador” e restitutivo, por exemplo, com o predomínio dos direitos civil e do consumidor). Essa mudança de paradigma jurídico se deve ao desenvolvimento do capitalismo liberal, que segundo o sociólogo Émile Durkheim se configura no modelo (jurídico) de solidariedade social, cuja realidade econômica, política e jurídica é perpassada pelo modelo de garantias consumistas e restitutivos de direitos.

Neste caso, metodologicamente pode ser entendido por uma rede de conexões e sentidos, ou seja, o que o jurista brasileiro Miguel Reale teorizou como dialética da complementaridade. O que reforça a idéia de que os pensadores, as instituições jurídicas e as articulações políticas devem ser entendidas a luz da contextualização histórica, bem como da análise de conjuntura, que se tornam propícios para conhecer a dinâmica e os sentidos porque passam a construção do ordenamento jurídico de um lugar. Assim, uma forma de ler e entender a Ciência do Direito não apenas a partir da dogmática jurídica, mais também com base na argumentação, na processualística e nas redes de conexão entre a norma e o contexto, o que aliás tem sido mais “cobrado” em exames (OAB, Concursos e prática forense), e, um dos pontos fracos dos concurseiros e recém formados, e que têm sido explorado nos exames hodiernamente.

O que nos leva a crer, que o caráter interdisciplinar, a visão holística e a sensibilidade metodológica que nasce do diálogo entre as diferentes áreas das humanidades só aguça a possibilidade de entendermos as entrelinhas por trás dos bastidores do Direito, ou como já teria afirmado a literária Clarice Lispector "já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas".

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