domingo, 30 de dezembro de 2012

Dar sentido a cada dia é descobrir o Novo dentro de nós!



Desde a infância devemos ter a mesma pergunta dentro de nós: "o que vou ser quando crescer?"


Comumente estamos preocupados com o tempo, principalmente nas atividades diuturnas que os padrões da modernidade exigem no que diz respeito à vida familiar, trabalho, lazer, descanso e até a vida afetiva. Porém, a humanidade nos últimos séculos, pouco sentido deu a importância que a temporalidade apresenta para as transformações nas convenções sociais, nas sociedades, nas mentalidades etc. Preocupamo-nos em saber quantos anos levam para nossa vida ter progresso financeiro, se nossos filhos serão, um dia, realmente aquilo que nós desejamos que sejam, se teremos uma velhice tranquila  se viveremos até vermos nosso país sem injustiças sociais e econômicas. Como estará a seleção brasileira até chegar a próxima Copa do Mundo?

Com efeito, todos os nossos questionamentos não passam de mera efemeridade e virtude imaginária, pois, na maioria das ocasiões, o que nos preocupa é a transitoriedade do tempo corrido, do imaginário produzido pelos efeitos que o tempo pode ter, por exemplo, nossos traços físicos quando somos criança são sensivelmente transpostos para uma dimensão castigada pelo tempo, quando nos tornamos adultos, essa constatação nos assusta por demais, mas não nos apercebemos que essa passagem transmutação física e psicológica também representa um estágio de amadurecimento intelectual e corporal. Seria um ritual de passagem produzido graças ao efeito da temporalidade com repercussões aparentemente assustadoras, mas com efeitos bastante significativos para a vida humana. 

Conforme defende a tese Cristã e Ocidental do apóstolo Paulo que afirmava (I Cor 13, 11-13):


Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança.  Depois que me tornei homem, fiz desaparecer o que era próprio de menino. Agora vemos em espelho e de maneira confusa, mas, depois, veremos face a face. Agora o meu conhecimento é limitado, mas, depois, conhecerei como sou conhecido.   

Dessa forma, aquelas impressões trazidas, com o passar dos anos, são uma conseqüência do amadurecimento que todos os seres vivos por natureza passam, na verdade, trata-se da própria dialeticidade que está presente em todas as relações que exigem movimento, mudança e transformação, desde o nascer até a morte acontecem as relações opostas que agem na temporalidade em função das transformações. 

Dar sentido a cada dia da vida é o elixir para uma vida feliz. Quando perguntamos: "o que vou ser quando crescer?", estamos buscando "infinitamente" uma resposta desafiadora, que pode se renovar a cada verão ou em cada "passagem de ano [gregoriano, indiano, chinês etc.]" e que se intensifica quando compreendemos que a felicidade vai além de nossas conquistas. Amar é o principal objetivo almejado de quem busca, pressupõe cativar para vida toda. Da infância até os dias atuais, seja em que idade estivermos, amar a si, amar ao outro, amar ao trabalho, amar aos estudos, amar uma "coisa em si" é o sentimento [desejo] de quem pretende ser alguma coisa quando crescer. 

Que nesta nova transmutação (2012/2013) estejamos entusiasmados [sonhar e experimentar] com a "nova" pergunta [a pergunta que se renova]: "o que vou ser quando crescer?". Afinal, o desejo do Novo se realiza a partir da motivação em ver [fazer] o novo se constituindo a cada dia, mesmo que para isto nos tornemos crianças outra vez.

Mensagem de Fim de Ano 2012/2013

sexta-feira, 11 de maio de 2012





O DIA EM QUE TODAS AS MÃES SE FOREM


No dia em que todas as mães se forem será uma tragédia sem precedentes, mais ainda para o “comércio” que vive como um agente parasitário habitando nos primeiros dias do mês de maio, fazendo-nos crer que este mês é exclusivamente o “mês” das mães (e das noivas). Como se pudéssemos seduzir o amor maternal “comprando-o” com presentes de tecido ou plástico.


No dia em que todas as mães se forem os dias serão abandonados e as noites fustigadas, as vidas ameaçadas e os filhos sem vida, pois se a vida é nutrida pelo leite e amor materno.


No dia em que todas as mães se forem não haverá esperanças e nem consolo, pois o milagre da vida só nasce com  as dores do parto que anunciam a semente que nasce, dá fruto e se multiplica.


No dia em que todas as mães se forem Deus não será o mesmo, pois sem o ventre materno suas criaturas não nascerão como milagre divino. Pois se até ELE também precisou de uma mãe.


Mãe é como um Sol radiante que encaminha-nos todos os dias, forte, luminoso e ardente. Por alguns instantes, imperceptivelmente esquecemos sua presença, mas ela sempre onipresente nos pensamentos sobre seus filhos nos acompanha em cada momento. Todos os dias, todas as horas com o cuidado e a força que só uma ligação transcendental se permite.


Marcelo EUFRASIO. (O dia em que todas as mães se forem) 


Escrevo este modesto “arranjo de palavras” (poema acima) para
homenagear as mães, exatamente pelo zelo incondicional de todas
elas. A maternidade irrompe os laços afetivos, religiosos e
transcendes da própria existência do ser. Para o filósofo Emmanuel
Lévinas é possível reconhecer na figura feminina uma importância
subjetiva impar. Sua presença aparece como única possibilidade
de atingir a subjetividade irredutível para explorar a consciência, ou
seja, a subjetividade se constitui na abertura ao Outro.

Este Outro é o infinito que brilha e se abre como uma porta para o
ensinamento. A idéia de infinito consiste em estabelecer uma relação
com aquilo que extravasa o pensamento, mesmo que este não seja
possível mensurar. Neste caso, o infinito se apresenta na figura do
próximo que se aproxima, ou seja, o rosto alheio. Por exemplo, a
figura materna, a primeira e única imagem que pode consolar o bebê
após sua saída do ventre, diante deste mundo assustador
(luminoso e barulhento).

Lévinas recorre ao feminino, pois só as mulheres podem expressar este
rosto na subjetividade que carrega em si o Outro. Para tanto, utiliza o 
termo“MATERNIDADE”. Logo, a maternidade representa na sua filosofia 
esta substituição, em que o Eu gera em si o Outro.

A subjetividade maternal, expressa o gemido das entranhas do corpo
materno, revela essa substituição, onde o Eu é Outro. Para aquele 
filósofo,essa relação maternal entre Eu e o Outro, pode ser representada 
pela expressão “rakhamin” que significa misericórdia, que possui uma
referencia a palavra “rekhem”, que significa útero.

A misericórdia é sentida nas entranhas da mãe, pois seu corpo
estremece e sofre pelo Outro. Este Outro não está só perto como
dentro da mãe. Sua proximidade é tal, que a mãe tem uma
responsabilidade vital, do Eu com o Outro, principalmente de
morrer pelo Outro. Como afirmou Derrida (no livro Emmanuel Lévinas:
La trace du feminin. p. 74): “[...] cercado, sem defesas, pelo próximo, 
assumo essa presença como uma ‘mãe que não pode negar a presença
de seu filho em si’”.

O tema da maternidade na filosofia de Lévinas é uma metáfora da
subjetividade do cuidado de si pelo Outro. No entanto, não pode se
desvencilhar daquilo que destacamos no texto “O DIA EM QUE TODAS
AS MÂES SE FOREM!”. Quando e “se” todas as mamães se forem
deixaremos nós de existir, pois se até “Deus” (como afirmei no poema)
não será o mesmo? Não esquecendo que parte de nós é o ‘eu’ (mãe)
que herdou da genitora seus sonhos, desejos, alegrias, tristezas, dores,
conforto, proteção (...) no ventre materno. Após nascermos o cordão 
umbilical não será rompido, pois a subjetivação é infinita, como o 
valor das mães. 

domingo, 29 de abril de 2012




DIA DO TRABALHO OU DIA DO ÓCIO?

Ironicamente os temas que venho me debruçando nestes últimos anos sempre tem girado em torno da violência e do trabalho. Será que dialeticamente ao ponto que eles estão distantes ao mesmo tempo se aproximam? Ou de que estou lutando por uma perspectiva de garantia do “direito ao trabalho” quando na verdade deveria estar lutando pelo “direito ao ócio”?  

Muitas inquietações, muitas perguntas, poucas respostas, preciso de “ócio” para pensar e pouco trabalho para me ocupar.

Mais um feriado, somado ao final de semana e assembléia. Que venham mais, defenderia Paul Lafargue, genro de Karl Marx, autor de um manifesto intitulado Direito à Preguiça em que estranhava o fato dos operários da época (séc. XIX) serem tão tolos a ponto de lutarem pelo direito ao trabalho, em vez de lutarem diretamente, sem subterfúgios, pelo direito aos privilégios de lazer dos patrões.  

Até a nomenclatura convencionalmente admitida nos calendários para este dia 01 de maio é forçosa e instigante para o labor, quando deveria ser Dia do Descanso e não do “Trabalho”. 

Ao tempo em que nos encontramos imersos numa época “pós-moderna”, perpassados pela lógica da rotina do trabalho e do consumo, perdemos o sentido de um dos bens mais preciosos do homem, o tempo. Os antigos gregos quando instituíram o ócio não foi como sinônimo de vagabundagem, como se pensa hoje, mas exercício do pensar. A palavra ócio em grego psykhagogía significa a condução da alma. Porque o ócio é o momento em que o individuo pára para refletir sobre sua alma. Educar-se. Aliás, educação é formação. Os antigos viam na criança, por exemplo, um animal selvagem que precisava ser educado, formar homens íntegros capazes de olhar de frente para os deuses, ou seja, colocar as crianças a serviço da Criação. A educação atual se volta exclusivamente para formar indivíduos competitivos para o sucesso profissional.   

Na modernidade o valor do trabalho valorizado pelos antigos se perdeu, destinado a subsistência e ao trabalho criador, para eles, o trabalho deveria ser apenas aquele destinado a suprir suas necessidades, o restante do tempo destinado ao culto do trabalho criador. Assim, não há ócio se ele não for criador, já idealizou o cientista do trabalho italiano Domenico De Masi.

O filósofo e terapeuta Viktor Salis afirmou “O homem moderno não sabe mais “ociar”. Se deixarmos sem ter o que fazer, ele se distrai com algo que o anestesie, ou fica numa angustia enorme”.

Nasce uma questão, o que fazer com o nosso feriado, ser escravo da conjuntura, que sugere (impõe) um tipo de lazer (fast food, internet 24 horas, tevê aberta, pagode domingueiro etc.) ou se cria “criativamente o ócio”?

“To be or not to be, that's the question”! 

sábado, 27 de agosto de 2011

Os Dez Mandamentos do Pesquisador/Estudante


















Nestes ultimos meses estou debruçado na construção da fundamentação teórica de minha tese de doutorado, o que parece um caledoscópio de imagens, quanto mais refletimos sobre o ponto, discutimos frente as imagens trazidas no texto, mais apresentam, a cada movimento, combinações variadas e "agradáveis" de efeito visual. É preciso gastar muitos dias e noites ainda!
Paralelo a este "dramático mundo das (in)certezas acadêmicas", encontrei ainda da época que cursava no mestrado a disciplina de Metodologia da Pesquisa "Os Dez Mandamentos do Pesquisador" (autoria desconhecida), que publicizo aos meus orientandos sempre que encontro neles muitas (in)certezas.

Achei por bem, publicá-lo por aqui.


1. Não cobiçarás o tema do teu próximo, porque a grama do jardim do teu vizinho não é mais verde.

2. Não pesquisarás o que está apenas na tua cabeça, a menos que o estudo seja precisamente sobre ela.

3. Não investigarás tema sem fonte, porque a tua tarefa é fazer os dois se comunicarem.

4. Não te perderás em meio à falta ou ao excesso de planejamento, a menos que a tua genialidade te permita prescindir dele.

5. Não desprezarás a rotina, porque ela pode te liberar para o exercício da criatividade.

6. Não menosprezarás as normas, a menos que pretendás transformá-las.

7. Não te julgarás incompetente, porque não o és, até prova em contrário.

8. Não escreverás uma obra-prima, a menos que já estejas maduro para produzi-la.

9. Não farás uma colcha de retalhos, porque és capaz de um trabalho verdadeiramente intelectual.

10. Não ignorarás os teus leitores, a menos que te aches mais importante do que eles.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Entre a PAIXÃO e a RAZÃO - Quem comanda os destinos do homem?


(Antonio Vivaldi - "Summer" from four seasons)




O que há na vida senão emoção (paixão) e razão? A Sociologia já suscitou um debate questionador acerca deste aparente conflito, na sua formulação dicotômica "paixão-razão", que teria provocado até o pensamento sociológico do alemão Max Weber (1864-1920), que já acreditava que "é por meio da paixão ou da fé que o homem se relaciona com os valores" (SAINT-PIERRE, H. Max Weber: entre a paixão e a razão. 2004, p. 9). Assim, a relação do homem com os valores demarca o curso da análise weberiana. Tanto nos trabalhos metodológicos de Weber como nos seus escritos políticos, pode-se notar a tensão permanente entre a razão e a paixão ou fé, o que dificulta ainda mais a análise da já intrincada relação entre ciência e ação no pensamento weberiano.

O que prova a importância e a decisiva complexidade das ciências sociais a partir do século XIX, e, a posição epistemológica (teoria do conhecimento) de Max Weber para entender o homem enquanto alguém que busca e alimenta o conhecimento é seu delineamento quanto a duas condições fundamentais: a erradicação dos juízos de valor do discurso científico e a exigência de verificação empírica dos enunciados científicos por meio das explicações causais. Simplificando as coisas, digamos que, o conhecimento racional é um pressuposto que nasce e (con)vive com o conhecimento passional, ou seja, a paixão (fé) é constituída de um outro elemento valorativo-cultural (a razão), que a partir da realidade é recortada para destacar o objeto de análise (racional) e acaba representando ao longo da vida um "significado cultural" (SAINT-PIERRE, 2004, p. 20).

Neste caso, nossas escolhas não são científicas (juízo de valor = pluralidade de valores e escolhas humanas), mas a análise é produto da racionalidade, que origina os pressupostos do conhecimento científico, nisto, dizemos que razão-paixão são elementos intrínsecos na lógica weberiana. O tipo ideal weberiano, sintetiza a relação entre os limites empíricos para generalização dos resultados, os limites da validade dos próprios conceitos e a vigência dos problemas formulados pelo interesse do sujeito (que determinou esses limites em sociedade, a partir da paixão, mais também da razão), o que a cultura, a religião, o direito etc. determinam como sendo "os valores".

Para ilustrar tão intrínseca relação entre "paixão-razão" não quisemos trazer um exemplo de casal enamorado das novelas etc. (poderia parecer uma babaquice), mas trazer um exemplo musical que tem a narrativa concreta daquilo que a dança harmônica entre as paixões humanas e a racionalidade possuem.

The Four Seasons (Italian: Le quattro stagioni) é um conjunto de quatro concertos para violino de Antonio Vivaldi. Composta em 1723, As Quatro Estações é o trabalho mais conhecido de Vivaldi e está entre as peças mais populares de música barroca. A harmonia de cada concerto é variada, cada um lembra uma temporada. Por exemplo, "Winter" lembra a chuva gelada, enquanto que "Summer" (do vídeo acima) evoca uma tempestade em seu movimento final, razão pela qual o movimento é muitas vezes apelidado de "Storm".

Dos sentimentos humanos da melancolia ou alegria dos fenômenos da natureza, nasce a graciosidade de um concerto, que ora esboça os sentimentos (paixão) ora os desejos e pensamentos racionais da humanidade diante da natureza e de seus fenômenos, por exemplo, como uma tempestade com seus altos e baixos, além dos seus conflitos interiores (por exemplo, quando nascem e se desenvolvem: ciências da natureza X ciências do espírito - humanas). Ao ouvir The Four Seasons (com um pouco de atenção) dá para se perceber a dialética musical entre a paixão e a razão, entre os fenômenos da natureza e do espírito, entre os semblantes singelos (suaves) e os olhares severos (e até de agressivos) dos músicos, lutas entre paixão-razão, que revelam ao longo do concerto a harmonia perfeita da peça de Vivaldi!


Afinal, os pêndulos (paixão-razão) da vida humana vivem desafiando os dias com a enaltação dos sentidos, pois somos todos homens e mulheres buscando o sentido dos nossos destinos na escadaria do mundo.

Boa música a todos!

(M.Eµfrasıø)

sábado, 25 de junho de 2011

Decreto Matinal



Um pequeno poema trazido das entranhas do ser, nestes tempos onde os sonhos se enamoram das tempestades. Neste caso, felizmente a calmaria nasce do encontro dos desejos e dos gestos felizes dos momentos marcantes e dos muitos lugares ... pois a felicidade é um estado de espírito!


DECRETO MATINAL

Fica decretado que não mais acordarei
que as notícias serão maduras
o sol não terá mais orgulho
e a verdade uma constante.
Aquele cinzeiro cheio de tocos abandonados
as vidas serão fustigadas
as ruas ameaçadas
as mulheres descabeladas
os homens moralizados.
Que este decreto viva
como os dias do agosto choroso.

(Marcelo Eµfrasıø)

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Tensões políticas e culturais em Rê Bordosa













É com alegria que divulgo a publicação do livro do meu amigo e colega de doutorado Yuri Saladino, pesquisador, historiador e cientista social antenado com os muitos discursos simbólicos que nascem das entrelinhas dos espaços urbanos. Nesta publicação ele trata do universo político e cultural do personagem Rê Bordosa de Angeli. Quem tiver interesse na aquisição da obra: http://www.marcadefantasia.com/resenhas/livros/rebordosa.htm

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O trabalho de Angeli tem suscitado inúmeras investigações acadêmicas, o que confirma a importância de sua criação. Autor de incontáveis e marcantes personagens das tiras humorísticas brasileiras, foi com Rê Bordosa que Angeli criou um vínculo indissociável com seu público, a ponto de, mesmo tendo matado a personagem, ter que retomá-la, numa espécie de memorial ou diário.

O livro de Yuri Saladino, oriundo de sua dissertação de Mestrado, debruça-se sobre a obra de Angeli para estudar a construção artístico-cultural expressa nas histórias em quadrinhos de Rê Bordosa e, por meio delas, refletir sobre o projeto político e cultural do autor. Rê Bordosa surgiu em 4 de abril de 1984 na série de tiras em quadrinhos Chiclete com Banana, do jornal Folha de S. Paulo, tendo como cenário o universo urbano paulistano da década de 1980.

Para Yuri, a personagem é uma sátira sobre o gênero feminino pós-Revolução Sexual, que tinha como pano de fundo um ambiente social bastante efervescente em termos sócio-culturais. O universo “angeliano” do qual Rê Bordosa faz parte reflete sobre esse período, quando o debate entre a modernidade e a pós-modernidade estava na ordem do dia.

Yuri reforça que o cotidiano no qual a personagem se insere é marcado pela crise dos valores modernos e pela fragmentação das identidades culturais que refletia o deslocamento do sujeito moderno e a valorização do momento presente e do hedonismo. Nesse sentido, o estudo reflete em que medida e por qual direcionamento esta personagem, enquanto construção artístico-cultural, representou uma crítica social frente ao contexto dos anos 1980 no Brasil.
Como afirma o autor, a pesquisa discute o caráter crítico do projeto artístico de Angeli, bem como situa Rê Bordosa a partir dos seus diálogos, seu comportamento e seu modo de vida: “Procuraremos analisar a personagem Rê Bordosa como sendo uma problematização sobre esse contexto social e suas tensões culturais”, conclui Yuri.

H. Magalhães

terça-feira, 14 de junho de 2011

"Diálogo entre la razón y la fe" - Entre o Direito e a Religião, onde fica a ética?



O célebre encontro entre “BENEDICTO XVI & HABERMAS” - Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI) e Jürgen Habermas em 2004, que culminou na publicação do livro "A dialética da secularização - sobre razão e religião" é de grande valia para entender a abordagem doa alemães, teólogo cardeal Ratzinger sobre os princípios que fundamentam a moral do Estado democrático e o filósofo Habermas sobre a questão da constituição dos espaços públicos e a possível dificuldade existente da unidade entre razão e religião para consagração dos direitos do homem (discussão já iniciada nas teses de Feuerbach e com Marx).

Claro que aqui não se trata de uma leitura densa, afinal num blog não se propõe um "tratado filosófico” (inclusive em função das minhas limitações), mas se constitui em rápidos comentários que procuram instigar os pensamentos do leitor. Como nas notas que seguem, a começar pela seguinte notícia:

Em 4 de mayo de 2005, o Jornal "La Nacion" anunciava:

Diálogo entre la razón y la fe - El Papa Benedicto XVI y el filósofo Habermas discuten dos visiones para abordar el mundo!

"El entonces cardenal Joseph Ratzinger, actual papa Benedicto XVI, y el filósofo Jürgen Habermas, profesor de la escuela de Francfort y padre del "patriotismo constitucional", celebraron el 19 de enero de 2004, en la Academia Católica de Baviera, en Munich, un diálogo sobre los fundamentos morales prepolíticos del Estado liberal, basándose en las fuentes de la razón y de la fe. Las diferentes posiciones de uno y otro respecto de las raíces de la legitimidad del Estado democrático pusieron de relieve la oposición entre revelación y razón. Aunque también mostraron coincidencias, como la necesidad de controlar, por medio de lo que Habermas califica como aprendizaje recíproco entre razón y fe, los peligros que la religión o la razón pueden acarrear a los derechos del hombre. LA NACION ofrece aquí los textos completos leídos por Habermas y Ratzinger en el memorable debate de Munich. Lo hace como oportuna contribución a una de las cuestiones fundamentales de la cultura en el tercer milenio". (Disponível em: http://www.lanacion.com.ar/704223)


A dialética enquanto categoria filosófica é tão polissêmica em sua carga conceitual e na sua empregabilidade contextual, que só procurando resumir a expressão a idéia de “contradição”; “complementaridade”, “mudança” etc. para entender o termo em sua riqueza conceitual, afinal há uma infinidade de pensadores da antiguidade à contemporaneidade que absolvem sua potencialidade. No entanto, no caso de Bento XVI e Habermas quando utilizam a dialética, eles nos propõem com a categoria hegeliana (filosofia idealista), que podemos retirar alguns aspectos essenciais para nossa reflexão acerca da razão e da religião, além da categoria que deve permear as duas, a questão ÉTICA (política).

Nos artigos que foram capitulados e publicados no livro “A dialética da secularização” – intitulados “Fundamentos morais pré-políticos de um Estado Liberal” (Joseph Ratzinger) e “Fundamentos Pré-Políticos do Estado de Direito Democrático” (Jürgen Habermas), os dois, um teólogo e o outro filósofo, apresentam a preocupação em conciliar os aspectos superestruturais antagônicos como diria a teoria marxista, sobre a razão e a religião. Apesar das posições antagônicas aqui vamos procurar uma conciliação teórica entre dois grandes ícones da intelectualidade na modernidade.

Este livro escrito a seis mãos, trata-se de uma critica a visão do mundo moderno e do “Estado ineficiente”, e tem como interlocutor nesse debate, outro filósofo alemão Böckenförde. Para entender o diálogo entre os pensadores e a necessidade da correlação entre razão e fé, os três apresentam um discurso no qual o Estado é visto como problemático em função de sua ineficiência, principalmente por conta da sua incapacidade em conservar os valores e pressupostos que o criou. Nestes termos, se pergunta se a religião teria o condão de trazer as garantias para sanar esse problema atual do modelo político, sendo possível, será que há condições de definir uma nova aliança entre razão e fé, como resposta ao conflito institucional que aparece nos modelos jurídicos atuais?

Para Habermas há condições para se estabelecer uma nova maneira de relacionar a razão e a fé, com o objetivo de sanar a imobilidade da razão moderna frente ao germe que o consome, por exemplo, os valores imorais que se encontram na política e no direito, fruto de uma razão corrompida. Sendo ele, a síntese da fé e da razão, construída pela filosofia agostiniana e tomista foi esquecida pela época moderna, que, por outro lado, soube apropriar-se criticamente da razão grega, mas não conservou os conhecimentos e os valores judaico-cristãos da salvação, que trazem a autenticidade das idéias sobre revelação e irmandade. Como solução para essa “crise” paradigmática de ausência dos valores patrísticos, aquele filósofo alemão procura resgatar as experiências cristãs dos primeiros séculos em sua historicidade para que a racionalidade secular re-encontre consigo mesma, criando uma unidade de pensamento ético entre Atenas e Jerusalém, sem negar que tais fundamentos construíram a identidade do pensamento Ocidental. Só nestes termos, segundo Habermas, há condições de estabelecer um pensamento relativista entre a razão pura e a fé incondicional.

Enquanto isso o cardeal Ratzinger rebate o pensamento habermasiano ao defender que desde que São João proclamou a chegada do Logos – “No princípio existia o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus” (Jo 1,1), que se percebe que a apropriação da razão grega tem uma necessidade intrínseca, afinal afirma ele, o Deus dos filósofos é o ente divino da História, que participa da caminhada até então. Segundo a teóloga Eneida Jacobsen (Protestantismo em Revista, 2010) “Ratzinger afirma que a Igreja Católica até hoje tem feito uso da razão natural para dialogar com a sociedade secular e outras comunidades religiosas. Todavia, com a geral aceitação da teoria da evolução, a natureza passou a não ser mais vista como racional, levando à que a ideia de um direito natural perdesse sua força”.

Neste sentido, Jürgen Habermas busca uma conciliação entre a razão secularizada e “iluminista” e a razão teológica, como saída para a crise de identidade entre fé e razão, no entanto, essa aliança é construída sob bases antagônicas. O que se evidencia desta problemática categorial é que a leitura de Habermas tem por objetivo desenvolver um debate acerca do espaço de constituição da esfera pública (pela razão e pela fé que inspira ou deveria inspirar, por exemplo, a questão do Estado moderno) a partir da liberdade da pessoa humana (cujos valores são a razão e/ou a fé) e de sua responsabilidade social pela via democrática (cidadania planetária), sendo imprescindível neste percurso o exercício do diálogo (entre razão e fé) que promove a intersubjetividade como promotora da cidadania. No entanto, sua preocupação com as mudanças ocorridas no cenário capitalista burguês, principalmente no âmbito das mídias como uma nova configuração para a publicidade fizeram com que a esfera pública tenha se tornando uma oposição à opinião pública, causando a decomposição entre a dimensão pública em relação à dimensão privada, com seus interesses individuais e patrimoniais (que geram desigualdade, pobreza e desumanização do outro), e que estabelecem uma condição denunciada tanto pelo filósofo quanto pelo Papa teólogo, representada pela questão da ausência de ética nas relações humanas e na política.

Propõe Habermas em última instância uma subordinação da “razão teológica” à autoridade da razão secular, não em função do caráter religioso da subordinação de Deus à razão de natureza transcendente, mas da apropriação dos valores que cada categoria de pensamento possui para exaltação do homem e da sua condição humana.

A questão continua em aberto visto que o ateísmo não se subordina ao teísmo e às suas razões transcendentais, nesta caso, continua ao longo dos tempos a aparecer como uma forte tendência de que a questão de Deus não é meramente teórica, ela é prática, com todas as conseqüências que sua “prática” tem em nossas vidas. Daí que a cidadania (exercício de direitos) não deve ser permeada por subterfúgios ou interesses individuais, conforme propôs a lógica capitalista moderno-racionalista, mas uma inserção do homem na sua condição humana que o torna parceiro dos outros homens, cuja autenticidade se faz em expressões institucionais e em relações ateísta ou deísta de co-responsabilidade e co-cidadania, conforme fizeram, por exemplo, os primeiros cristãos nas catacumbas, no século I  d. C.,  prezavando por atitudes de razão e fé, afinal “Não havia nenhum necessitado entre eles, porque todos os que possuíam campos ou casas, vendendo-os, traziam o preço do que vendiam, depunham-no aos pés dos apóstolos e distribuía-se por cada um segundo a sua necessidade (At 4,34-35).

Não se trata aqui de uma resenha da "Dialética da secularização", mas uma modesta reflexão sobre a contribuição da filosofia habermasiana para entender a ética, nestes tempos “Pós”-Modernos, que também envolvem todas as teias de relações sociais!



Observação: Na foto, o encontro em 19 janeiro de 2004 do filósofo Jürgen Habermas e o cardeal Ratzinger (atual Papa Bento XVI) na Academia Católica da Baviera, em Munique, no qual se discutiram "as bases pré-políticas e morais do Estado democrático".

domingo, 5 de junho de 2011

Pensar as "tessituras da modernidade"







Depois que minha colega e amiga Professora Fernanda, que ministra aulas de Linguagem e Argumentação Jurídica e Metodologia Científica, solicitou de seus alunos do Curso de Direito da FACISA e da UEPB a leitura, resenha e prova sobre o livro "Tessituras da Modernidade: entre o público e o privado", achei por bem trazer uma pequena apresentação da obra. Neste caso, essa minha leitura sobre o livro que produzimos, eu e minha esposa, não se trata de resenha ou resumo, mas apenas uma apresentação daquilo que pode ser encontrado na obra, para aqueles que tem interesse em investigar sobre os meandros dos espaços da modernidade a partir das instituições sociais (privadas e públicas), particularmente com a questão de gênero e do direito político.

O livro “Tessituras da Modernidade” acabou sendo o resultado de pesquisa acerca do fenômeno da modernidade expresso em tessituras, contextos e recortes dos espaços privados e públicos da História de nossas instituições sociais. Não há na obra nenhuma idéia conclusa e nem determinada, apenas algumas pistas de leituras interdisciplinares acerca das diferentes conjunturas sociais a partir de uma perspectiva teórica da historiografia cultural para entender as transformações no espaço privado, particularmente no âmbito da família, das identidades, do gênero feminino e das realidades do trabalho, bem como uma abordagem do espaço público na perspectiva da zetética jurídica para estudar as instituições políticas e jurídicas, a partir da idéia de participação política e das ações de promoção dos direitos sociais, que acabam sendo expressões das ações em trânsito dos espaços públicos e privados dos sujeitos sociais.

Assim, na primeira parte intitulada "As tessituras da identidade, gênero e modernidade sob os olhares da historiografia cultural", são evidenciados aspectos como a constuição dos espaços em que o gênero feminino passa a situar-se historicamente a partir das lutas pela conquista de espaços, desde o período neolítico, quando das experiências de sociedades matriarcais puderam conceber as primeiras experiências de direito maternal, até as diferentes constituições de valores identitários, conforme lembrados por Suart Hall, Michele Perrot e Mary Del Priore. A está abordagem sobre identidade de gênero é concluída com uma experiência de pesquisa numa comunidade rural da cidade de Esperança, em que as mulheres no manejo e fabrico de suas bonecas conseguem produzir seu sustento e adquirir seus espaços e lugares sociais em detrimento dos espaços antes dominados pelo masculino, o que revela que os espaços privados não são determinados, mas são construídos e transformados conforme as necessidades sociais.

Na segunda parte do livro, intitulado “As tessituras dos espaços públicos na modernidade a luz da zetética jurídica”, se procurou evidenciar uma leitura a partir da sociologia geral e jurídica e filosofia do direito para entender a constituição dos espaços públicos que nascem pela deliberação e pelas ações políticas. Para isso, foram feitos recortes e tessituras contextuais em diferentes épocas, num primeiro momento com a fase iluminista e contratualista com o advento da política e do direito moderno, que inaugura o movimento de consagração dos direitos fundamentais (direitos civis e políticos), principalmente na época das revoluções burguesas. Em seguida, nos próximos capítulos é feita uma abordagem critica sobre a importância do lugar de constituição dos espaços públicos e de consagração dos direitos políticos, com base em pensadores como Karl Marx (caráter estrutural das normas) e dos neomarxistas Antonio Gramsci (a idéia de hegemonia e ideologia na construção dos espaços políticos) e Edward Thompson (os indivíduos de baixo também constroem seus direitos). Além de contemplar a importância dos regimes democráticos em detrimento dos regimes totalitários a partir do conceito de práxis política (da condição humana de Hannah Arendt) e ação comunicativa em Jürgen Habermas, como elementos indispensáveis para entender a emancipação política dos indivíduos inseridos na sociedade capitalista. Este trabalho é concluindo com uma outra experiência de pesquisa, desta vez no município de Patos a partir da efetivação de ações publicas que nascem, por exemplo, com as políticas públicas, o foco de discussão neste ultimo capítulo é a ação do Pró-Jovem como medida de promoção do direito á educação e ao trabalho.


Para entender as tessituras da modernidade, ou seja, a organização e contextura, permeada pelo entrelaçamento de espaços privados e públicos que se metamorfoseiam, é preciso conceber este fenômeno multidimensional a partir da idéia de conhecimento reflexivo que se forma nos bastidores das ações de homens e mulheres nas
conjunturas determinadas por diferentes categorias políticas, sociais, culturais-identitárias, econômicas etc. Defende Habermas (2002, p. 121), que “a época moderna encontra-se, sobretudo, sob o signo da liberdade subjetiva”. Que se realiza, segundo ele, na sociedade como um espaço. Ao propor uma reflexão tão instigante e provocativa sobre o fenômeno da modernidade com todas as suas tessituras em aberto se abre a possibilidade de pensar sobre o destino das instituições sociais frente à transitoriedade do mundo moderno.

Aos que tiverem interesse em adquiri-lo, pode ser encontrado na livraria campinense (Facisa) e no site da editora: http://www.protexto.com.br/livro.php?livro=334

sábado, 16 de abril de 2011

Sócrates entre o destino dos homens e a busca da felicidade





Seguindo a frase inscrita no templo de Apolo em Delfos “conhece-te a ti mesmo”, o filósofo Sócrates perguntava insistentemente sobre o ser do homem. O que é ser um homem justo?
Preocupado com o destino (ético) do homem na cidade de Atenas em pleno século de Ouro (séc. V a.C - desenvolvimento da democracia, mais também da corrupção no contexto do governo de Péricles), Sócrates indaga os homens de seu tempo (e os homens e mulheres de hoje) sobre sua condição enquanto ser. Logo, para a filosofia socrática se o homem se distingue enquanto ser pela sua alma e se a alma é o eu consciente e inteligente, então a virtude (areté), ou seja, aquilo que reflete e atualiza plenamente essa consciência e inteligência não pode ser senão a ciência e o conhecimento. O video acima, ajuda-nos a entender que as responsabilidades, como, por exemplo, o exercício da atividade política (jurídica etc.) deve ser entendido como um valor supremo para os homens é, portanto, no conhecimento, que se realiza por essência aquilo que o homem deve ser, cuja essência é a alma e que se encontra na busca da sabedoria (no exercício da filosofia). Daí não entregar os destinos da cidade (de Atenas) a qualquer um, mas aos homens íntegros e desejosos de conhecimento, que não almejam o poder e a riqueza (materiais) que são efêmeros e sim a maior das riquezas que é o conhecimento.

Deste modo, evitar o maior dos males, o desconhecimento (a ignorância, como diria Platão), é a razão pela qual vivemos todos os dias procurando um sentido para a vida e para os destinos da humanidade!


"... para o homem nenhum bem supera o discorrer cada dia sobre a virtude e
outros temas de que me ouvistes praticar quando examinava a mim mesmo e
a outros, e que uma vida sem exame não é digna de um ser humano...".
(Platão, Apologia, 38 a).

"Eu estou a disposição tanto do pobre quanto do rico, sem distinção
[...] podeis reconhecer que sou bem um homem dado pelo deus à cidade por
esta reflexão: não é conforme à natureza do homem que eu tenha
negligenciado todo os meus interesses [...] para me ocupar do que diz
respeito a vós [...] para persuadir cada um a tornar-se melhor".
(Platão, Apologia, 32 b e 31 b).